Mas, afinal, o que quer Hamilton Mourão?
O vice-presidente está se esforçando para agradar o público errado.
Hamilton Mourão publicou mais um artigo. No artigo anterior, de 14 de maio, Mourão fez um apelo à razão e à conciliação — mas impôs condições: a imprensa deveria elogiar o governo na mesma proporção em que o critica; governadores, parlamentares e magistrados deveriam dar rédea livre ao governo federal para fazer o que quisesse; vozes independentes da sociedade deveriam parar de criticar o governo. Para justificar posição tão abertamente iliberal, citou — fora de contexto — alguns importantes liberais de outros tempos, de aqui e alhures. Ao presidente da República e a seu entorno, que atacam a democracia e as instituições quase que diariamente, não fez qualquer reparo.
O novo artigo de Mourão vai na mesma linha — e sobe um tom. Critica enfaticamente (não sem razão) a violência das manifestações de domingo contra Bolsonaro, mas parece associá-las (sem razão alguma) aos que se queixam (com toda razão) do autoritarismo e da falta de compostura do presidente e de seu grupo. Foi a primeira vez que houve manifestações contra Bolsonaro, e elas não foram organizadas por ninguém. Já as hordas de bolsonaristas lunáticos, que todo mundo sabe quem organiza, que pedem golpe militar, fechamento do Congresso e do STF, que emulam cerimônias da Ku Klux Klan, que ameaçam trocar socos e tirar a paz de ministros do Supremo, e que se reúnem todos os domingos na presença de Bolsonaro e de vários de seus ministros, a essas Mourão reserva a benigna classificação de “exageros”.
O vice ainda classifica de “irresponsável” e “intelectualmente desonesta” a comparação, feita por Celso de Mello (em uma mensagem privada, vazada ilegalmente) entre o momento que vivemos e aquele que deu gênese ao nazismo. É possível que a comparação seja exagerada, mas é ridículo dizer que uma mensagem escrita em caráter privado (e vazada ilegalmente) para uma dúzia de colegas seja irresponsável e intelectualmente desonesta, até porque a atitude de confronto e desrespeito ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (à qual o artigo de Mourão adere), de intimidação, de ameaça de ruptura democrática pela qual Bolsonaro e seu grupo são conhecidos, tem ecos do fascismo, sim.
É difícil entender o que quer Hamilton Mourão, que escreve como se fosse vice-presidente de Jair Bolsonaro, e não vice-presidente do Brasil. Como homem inteligente que é, Mourão sabe que Bolsonaro não governa, que é péssimo presidente, que embola o meio de campo, e, que, se a ordem natural das coisas prevalecer, deve cair. Deveria estar cuidando de limpar o meio-de-campo e se mantendo em bons termos com todos os setores da sociedade. Mas o que faz é o contrário, hostiliza justamente aqueles de quem precisará para governar.
Quando foi publicado o artigo de três semanas atrás, houve quem interpretasse que não era para consumo geral, mas para seus colegas de farda. Pressionado pelos generais palacianos, Mourão precisaria agradá-los, e, mais, precisaria mostrar que eles nada teriam a perder se abandonassem Bolsonaro e o deixassem cair em paz. Segundo essa tese, para ser presidente, Mourão não precisaria acenar para a oposição, que já concorda que ele é muito melhor do que o atual presidente. A tese já era problemática, porque Mourão é bem conhecido pelos outros generais, não precisa provar nada a ninguém. Agora ficou ainda mais difícil acreditar nela.
Há quem tenha interpretado o primeiro artigo como um aceno à base bolsonarista radical. Para esses, este segundo artigo é mais do mesmo. Talvez essa leitura do que vai na cabeça do vice-presidente esteja correta, ninguém sabe. Mas, a ser isso, é a leitura do momento político feita por Mourão que está totalmente equivocada.
Mourão não precisa do apoio da base bolsonarista radical. Se (ou quando) Bolsonaro cair, essa turma estará acabada, o novo presidente não precisará dela. Mourão precisa mostrar que é confiável justamente para os grupos que acaba de hostilizar novamente: os parlamentares (que têm o poder de derrubar Bolsonaro), os governadores (que influenciam grande número de parlamentares); os magistrados (que podem derrubar Bolsonaro no TSE e no STF); a imprensa, que influencia a todos, inclusive o eleitorado.
Se Mourão quer ser presidente, está se esforçando para agradar o público errado. Está empurrando quem tem o poder de decisão para cassar a chapa inteira — e tirar-lhe qualquer chance de ser presidente.