Reforma da Previdência: o que Lula ensinou em 2003 (e o que o Brasil aprendeu em 2005)
Em 2003, o petista obteve sua primeira vitória no Congresso, com apoio de tucanos e pefelistas – e, soube-se depois, parlamentares comprados no mensalão...

Se pretende de fato atualizar o regime de aposentadorias e pensões do país, Michel Temer não pode ignorar o exemplo de Luiz Inácio Lula da Silva. A reforma da Previdência de 2003 foi a primeira grande vitória do petista na Presidência. Para aprová-la, o petista teve de dobrar dura resistência dentro do próprio partido, nos sindicatos e movimentos sociais. O texto final só passou no Congresso com o apoio, pasme, de boa parte do PSDB e PFL (hoje DEM) – e, como se descobriu no escândalo que estourou em 2005, de parlamentares comprados no mensalão…
A reforma de 2003 mirou essencialmente distorções do setor público: taxou servidores inativos, fixou idade mínima para a aposentadoria e estabeleceu teto para o benefício. Lula teve de enfrentar protestos violentos e greve de servidores. No dia da votação, houve tentativa de invasão do Congresso e confronto com a polícia. A franja mais radical do PT não se dobrou ao Planalto. Nem o Planalto a ela. Parlamentares rebeldes acabariam expulsos do partido, com aval de Lula, para depois lançar o PSOL.
VEJA aplaudiu a “grande vitória de Lula”: “A aprovação da reforma da Previdência recoloca o Brasil nos trilhos”, foi a chamada de capa. “Dissipam-se as dúvidas restantes sobre as convicções do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para persistir no fortalecimento institucional que marcou a administração anterior”, registrava a Carta ao Leitor daquela edição. “Pareceu fragilidade o fato de o governo ter contado com votos de deputados do PSDB e do PFL para fazer passar o texto da reforma da Previdência no plenário da Câmara. Ao contrário, foi um sintoma de que o mundo político brasileiro começa a ganhar juízo, o que, é sempre bom lembrar, o partido governista, o PT, nunca teve na oposição.” Reportagem na mesma edição observava: “A vitória de Lula não é de esquerda nem de direita. Foi um triunfo do país.”
Na semana seguinte, VEJA trazia a primeira entrevista de Lula presidente. Por mais de duas horas o petista falou de “MST, radicais, juros, crescimento econômico, confiança dos investidores, FHC, mudanças no ministério, criminalidade, reformas, a vida no Palácio da Alvorada, dieta…”. Confira abaixo trechos da entrevista:
O senhor e o governo estão enfrentando o fogo amigo, que é a reação dos radicais, seus antigos companheiros de viagem. O senhor esperava que os radicais fossem assim tão radicais? Eu pensava que as pessoas ligadas ao nosso projeto deveriam assumir a responsabilidade de ser governo. Mas percebi que elas escolheram outro caminho. Que o sigam. A opção delas é legítima e o povo julgará quem está certo.
Soube-se que o senhor ficou especialmente decepcionado com a senadora Heloísa Helena… Não fiquei chateado. Quando eu comecei minha vida política, aprendi que tem determinado tipo de gente que é melhor ficar contra você do que a favor. Em 1979, o Celso Furtado me disse uma coisa que permeou minha vida até agora. Ele disse: “Lula, não se preocupe com o que os ultra-esquerdistas falam. Porque, no fundo, eles são um alerta do caminho que você não deve seguir. Mas, ao mesmo tempo, não permitem que você vá muito para a direita”. No fundo, eles te ajudam a continuar no caminho do meio.
Trabalhar com amigos facilita a tarefa de governar ou às vezes atrapalha? Isso é uma coisa que me dá certa tranqüilidade. O núcleo do governo no Palácio do Planalto é um núcleo histórico meu: é o Luiz Gushiken, é o Luiz Dulci, é o Zé Dirceu, é o Palocci.
Que tipo de crítica o irrita? Aprendi que presidente não tem o direito de ficar irritado. Aos 57 anos, eu já apanhei tudo o que tinha de apanhar. Já gastei minha capacidade de ficar irritado.
Foi só no escândalo do mensalão que se descobriu o esquema costurado para garantir apoio de partidos da base aliada: farta distribuição de propina. Os pagamentos rastreados na investigação se avolumavam à época de votações decisivas, a exemplo da reforma da Previdência. Com base na condenação dos mensaleiros, o PSOL chegou a pedir, sem sucesso, a anulação da reforma contra a qual seus fundadores se insurgiram em 2003.
Leia em VEJA de 13 de agosto de 2003: Uma semana histórica
Leia em VEJA de 13 de agosto de 2003: A grande vitória de Lula
Leia em VEJA de 20 de agosto de 2003: A primeira entrevista de Lula