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Turquia é a prova dos noves de que não é possível haver um regime a um só tempo democrático e islâmico

Os turcos estão nas ruas, aos muitos milhares. Tudo começou porque um pequeno grupo decidiu protestar contra a construção de um shopping numa praça. A polícia desceu o sarrafo. A coisa cresceu e se espalhou. Já há três mortos e quase cinco mil feridos. O evento serve para revelar a face nada oculta, mas ocultada, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h05 - Publicado em 7 jun 2013, 05h54

Os turcos estão nas ruas, aos muitos milhares. Tudo começou porque um pequeno grupo decidiu protestar contra a construção de um shopping numa praça. A polícia desceu o sarrafo. A coisa cresceu e se espalhou. Já há três mortos e quase cinco mil feridos. O evento serve para revelar a face nada oculta, mas ocultada, do governo turco, do modelo que muitos nefelibatas no Ocidente chamavam de “democrático”. O país é usado como exemplo de que é possível haver “democracia islâmica”. Vênia máxima: não é possível! Se uma religião pretende ser estado, ainda que vá impondo paulatinamente a sua vontade (como faz o Partido da Justiça e Desenvolvimento, do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan), o que se tem, com o tempo, é uma ditadura exercida por outros meios. “Islâmicos, então, jamais conhecerão a democracia, Reinaldo?” Resposta: não enquanto forem governados por partidos… islâmicos!! “Ah, mas, havendo eleições, uma agremiação religiosa fatalmente vencerá…” Bem, meus caros, então a resposta não é dada por mim, mas pelos fatos. E, é claro!, democracia sem eleição também não existe. Logo…

Como é que o cristianismo acabou se tornando compatível com o regime democrático? Porque as correntes cristãs se convenceram de que, como forças sociais, podem e devem interferir na política, mas não devem ser “o” poder. Inexiste, infelizmente, uma vertente do islamismo, por mais liberal e moderna que seja, que reconheça que o domínio do estado se distingue do domínio da religião.

É politicamente incorreto dizer que islamismo e democracia são incompatíveis? Pode ser. Mas é apenas um fato. Como está a demonstrar a Turquia.

No dia 29 de janeiro deste ano, escrevi aqui um artigo cujo título é este: “A tese delinquente da ‘democracia iliberal’. Ou: Turquia é exemplo da ditadura islâmica exercida por outros meios, não de democracia!”.

Criticava naquele post, que reproduzo abaixo, um artigo de Jocelyne Ceari, escrito para o Washington Post, em que a preclara lançava a tese da “democracia ileberal”. Segundo esta gigante do pensamento, a dita “Primavera Árabe” estava criando seu próprio modelo de democracia, entendem? E, dizia ela, a Turquia, que não é árabe, mas é islâmica, poderia servir de modelo. E eu, então, respondi assim:
*
Era fatal que chegássemos a este ponto: os inimigos da democracia não estão apenas em terras que nos parecem estranhas. Também estão entre nós — aliás, são até mais perigosos do que os outros.

O Estadão de hoje publica um texto de Jocelyne Cesari, escrito originalmente para o Washington Post. Comentei nesta manhã. Esta senhora, tripudiando sobre 58 cadáveres no Egito, produzidos só nos últimos cinco dias, vê com encanto o que considera avanço da democracia em países islâmicos e lança uma categoria nova: as “democracias iliberais”. Sim, ela dá de barato, sabem?, que as democracias muçulmanas serão diferentes, sem os mesmos compromissos que temos com a igualdade entre os cidadãos ou com a liberdade religiosa.

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Chamei a tese de delinquente. E reitero. Alguns leitores afirmam que desprezei o trecho em que ela diz ser possível uma “democracia islâmica”, oferecendo a Turquia como exemplo. Não desprezei, não! Decidi deixar isso para depois. Essa é outra das estúpidas mistificações que estão em curso.

A Turquia democrática é a versão dos intelectuais do miolo mole da Turquia mítica de Glória Perez… Em outras palavras: as duas são fantasias. A de Glória, claro!, não tem importância nenhuma porque tudo aquilo é brincadeira, distração, ficção sem importância. Já a conversa de que a Turquia é um modelo de democracia… Ah, isso tem importância, sim.

Ditadura com eleições
A Turquia nunca foi uma democracia e continua a não ser. O que há de particularmente ruim agora é que a ditadura exercida por outros meios — sob o controle de um partido religioso — está sendo vista como um grande avanço, uma grande conquista.

Pesquisem, meus caros, se tiverem algum especial interesse no assunto, o que ficou conhecido no país como “Rede Ergenekon”. É a versão turca dos “Processos de Moscou”, de Stálin. Recep Tayyip Erdogan, o primeiro-ministro, inventou uma suposta conspiração ultranacionalista e anti-islâmica que pretenderia derrubar o governo. Estariam envolvidos na tramoia militares (a maior parte dos acusados), jornalistas, professores, empresários etc. Erdogan prendeu quem bem quis. Tratou-se de um claro movimento de intimidação. Não há imprensa livre na Turquia. O governo acusa de conspiração quem bem entender.

O partido islâmico da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, aparelhou todas as instituições do país, muito especialmente a Justiça. A oposição está intimidada ou presa, acusada de participar da tal conspiração. Sim, existe pluralidade partidária. A questão é saber se a oposição conseguirá chegar ao poder…

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Erdogan não é burro. Ao contrário! É muito esperto. Herdou uma Turquia que faz parte da Otan e a quer integrada à União Europeia. Por isso busca um aparente equilíbrio entre dois mundos, enquanto vai aniquilando seus adversários internos. No caso da Primavera Árabe, tomou a decisão mais esperta: fechou com o Ocidente — até porque o Ocidente estava fechado, ora vejam, com a Irmandade Muçulmana e outros grupos radicais. Por que agiria de modo diferente? Deu um pé no traseiro de Bashar Al Assad, mas se aproximou do Irã.

A Turquia não é modelo de coisa nenhuma. Ao contrário: a sanha com que Erdogan avançou contra seus adversários, inventando a farsa da “Rede Ergenekon”, só prova que os islâmicos burros escolhem o terrorismo; os espertos, as eleições. Burros e espertos querem a mesma coisa: o estado islâmico.

O país, assim, pode ser um exemplo do que aquela senhora chama de “democracia iliberal” — que democracia não é. Trata-se apenas da ditadura exercida por outros meios. Seu texto, reitero, é a evidência da estupidez que tomou conta dos meios acadêmicos ocidentais.

Turquia democrática? Que Erdogan ponha fim, por exemplo, ao ensino religioso obrigatório nas escolas e permita a crítica livre ao Islã. Vamos ver. Não há democracia onde não há liberdade de consciência e onde jornalistas podem ser encarcerados, acusados de conspiração, simplesmente porque críticos do governo. Na Turquia de Erdogan, faz-se o devido processo legal — conduzido por juízes nomeados por um partido religioso. Entenderam?

Há quem ache que uma ditadura que conta com o apoio da maioria é mais decente do que uma ditadura ancorada numa minoria. Como eu estaria morto ou preso tanto em uma como em outra, nego-me a fazer essa escolha. Continuo a escolher o único regime que pode abrigar quem sou e penso: a democracia! A democracia LIBERAL! O “iliberalismo democrático” é uma invenção estúpida de grupos que usaram o ambiente do livre pensamento para flertar com a sua destruição.

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