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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Sobre primaveras e invernos. E uma conversa sobre o respeito que se deve aos leitores

Escrever, opinar, entrar no debate, tudo isso implica expor-se, claro!, às críticas. Dá trabalho. Este blog, por exemplo, tem arquivo. As pessoas podem cotejar o que o articulista diz hoje com o que disse antes. Entendo que uma eventual mudança de posição, quando há honestidade intelectual, tem de ser explicada. “Olhem, pensava isso antes, mas, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h58 - Publicado em 30 jan 2013, 04h38

Escrever, opinar, entrar no debate, tudo isso implica expor-se, claro!, às críticas. Dá trabalho. Este blog, por exemplo, tem arquivo. As pessoas podem cotejar o que o articulista diz hoje com o que disse antes. Entendo que uma eventual mudança de posição, quando há honestidade intelectual, tem de ser explicada. “Olhem, pensava isso antes, mas, depois, analisando tais elementos, mudei e constatei que estava errado…” Tenho notado, no entanto, que essa não é a regra. Ao acompanhar alguns comentários na TV e ler algumas colunas, fico com a impressão de que ou o comentarista vive num presente eterno — ou imagina que os leitores e telespectadores estão nessa condição.

Ontem, no Jornal da Globo, Arnaldo Jabor comentou a nova crise no Egito — o link está aí; infelizmente, não oferecem mais código de incorporação. Num dado momento, afirmou (em vermelho):
“Há dois anos, achávamos que o Egito ia florescer com a queda do Mubarak. Nada disso! Só há duas forças concretas no Egito: a Irmandade Muçulmana, reacionária semente da Al Qaeda, e os militares, acostumados a décadas de privilégios (…). A democracia já é mal entendida em republiquetas latinas. Imaginem em povos que se matam há mil anos por Deus. Que democracia? Um vago sentimento de liberdade, dificílimo de organizar? Uma democracia autoritária, talvez. (…) A única vantagem da Primavera (Árabe) foi o aparecimento da verdade bruta da história: o sonho acabou”.

E antes?
Este é Jabor hoje. E antes? Já chego lá. No dia 22 de agosto de 2011, em um dos muitos textos que escrevi contestando a existência da tal Primavera (aqui, o link), fiz algumas considerações. Apanhei pra chuchu, acusado de condescender com ditadores. Reproduzo alguns trechos em azul:

Muamar kadafi já era! (…) O que será da Líbia? (…). A democracia é um “valor universal” para os… democratas! Mais: é preciso que haja democratas para que exista democracia. Não é um bem imaterial, só um norte ético, que os homens de bem buscam alcançar. Trata-se de um modelo de governo, que não se subordina, por exemplo, a uma religião. Quantos querem democracia na Líbia?

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Não foram os ditos “rebeldes” que derrubaram Kadafi, mas a Otan — na verdade, Estados Unidos e Inglaterra. (…) A Otan se meteu numa guerra civil, sem a autorização de ninguém, e escolheu um dos lados.
(…)
A Líbia de Kadafi foi, durante muitos anos, um celeiro de terroristas — aliás, era governado por um. Aí o homem se engraçou com o Ocidente, declarou inimigos os jihadistas e passou a colaborar efetivamente com o combate ao terrorismo, tanto que recebeu o afago dos governos dos EUA e da Grã-Bretanha. O jihadismo se alinhou com os rebeldes. Alguns de seus soldados são veteranos ainda da guerra do Afeganistão contra a… União Soviética! Quem dará o tom do novo governo?
(…)
Se é um primado moral e ético censurar a ação de déspotas sanguinários como Mubarak, Kadafi e Bashar Al Assad, não dá para fazer de conta que forças democráticas despertaram de seu longo sono para depor governos tiranos, dispostas a morrer — no caso da Líbia, da Síria e do Iêmen, dispostas também a matar. Infelizmente, as coisas não se dão dessa maneira. Alguém as mobiliza e com um propósito. O Egito já emitiu um péssimo sinal. Ainda que se venha a constituir um núcleo de governabilidade pautado pela democracia — as coisas andam confusas por lá —, esse governo certamente não tratará os terroristas a ferro e fogo, como fazia Mubarak; essa era a única face positiva do seu regime, o que valia também para Kadafi, ao menos o dos últimos anos.

Eu gostaria de estar mais otimista, mas não estou, não. Há algo de profundamente errado quando se afirma que a “Primavera Árabe” contribui para aumentar os riscos de Israel. Que diabo de “primavera” é essa que expõe ainda mais ao perigo uma nação democrática e contribui para elevar a tensão no Oriente Médio? Às vezes, sinto um tanto de “inverno da razão” nessa euforia, o que não quer dizer que aqueles tiranos sejam menos moralmente miseráveis do que são. Aplaudo o fim de Mubarak, de Kadafi e, quem sabe, de Bashar Al Assad… E só. Ainda não dá para saudar uma nova aurora.

Retomo
Esse era um dos meus textos mais amenos. Demonstrei, por exemplo, que o trio Obama-Sarkozy-Cameron rasgou a resolução da ONU para entrar na guerra civil da Líbia como parceiro da Al Qaeda. Muito bem. Arnaldo Jabor também comentava o assunto. O mesmo que disse aquelas coisas ontem, afirmava isto aqui, em novembro daquele mesmo 2011:

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[youtube https://www.youtube.com/watch?v=2F5TMnJ9v-U%5D

Vale a pena deixar registradas estas palavras (em vermelho):
“Depois do 11 de setembro, o Ocidente foi fustigado, humilhado, por dentro e fora, de Bush à Al Qaeda. Perdeu sua fama de infalível e, agora, encheu-se de brios (…) Para proteger o belíssimo despertar do povo árabe. O exemplo de uma revolução que saiu do corpo do povo mostrou ao Ocidente que democracia não é um item de exportação, mas uma necessidade vital. Os árabes nos deram uma lição, e não queremos ficar atrás deles. Bem ou mal, já existe uma globalização da democracia (…)”

Comento
Jabor tem a mania de recorrer ao um certo “nós” que pensa o que ele pensa… Voltem lá à intervenção de ontem: “Há dois anos, achávamos que o Egito ia florescer coma queda de Mubarak…”  Achávamos??? Eu nunca achei! Eu sempre achei o contrário disso. No texto de 2011, notem que o comentarista iguala os terroristas da Al Qaeda a Bush, presidente eleito e reeleito dos EUA, afirma existência de um “belo despertar” e ainda diz que os árabes devem nos servir de… exemplo!!!

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Pois é… Em 2011, a imprensa quase inteira aplaudia a Primavera Árabe — e Jabor aplaudia também, com juízos sempre peremptórios, para atravessar os tempos. Em 2013, o Egito está sob Lei Marcial, seis dezenas de pessoas foram assassinadas em menos de uma semana pelas forças de segurança, e a o Norte da África está coalhado de terroristas por causa da desconstituição do governo líbio. E Arnaldo Jabor descobre, então, que, no Egito, por exemplo, só existem mesmo a Irmandade Muçulmana e os militares como forças constituídas. E a que a Primavera Árabe era uma bobagem.

Ou o Jabor de 2011 estava errado, e este, de 2013, certo, ou o contrário.

E o Facebook, então?
No dia 25 de janeiro de 2011 (link aqui), escrevi o primeiro texto sobre o que ainda era mera onda de protestos no Egito. Está lá (em azul):
(…)
Ocorre que o Egito tem um governo secular, que reprime com dureza também os grupos fundamentalistas. Conta com o apoio dos EUA — o que é estrategicamente correto, ainda que se repudie a ditadura. A questão é pensar qual é a alternativa. O Egito é a pátria da Irmandade Muçulmana, grupo extremista que está na raiz do moderno terrorismo islâmico.
(…)
Quem não quer democracia no Egito e no mundo inteiro? A questão é saber se o preço da queda de Mubarak pode ser a ascensão ao poder da Irmandade Muçulmana — e, pois, de um grupo que admite o terrorismo como uma forma legítima de luta política, firmemente destinado a acabar com o governo laico não só no Egito, mas no mundo!!!
(…)
Operando com critérios puramente lógicos, a melhor saída. parece, seria um processo de liberalização do regime de Mubarak, de modo a permitir a consolidação de uma oposição laica e democrática. A pior coisa que poderia acontecer para o mundo — e para os egípcios em particular — seria o país cair nas mãos da Irmandade Muçulmana.

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Com dez dias de protesto, Barack Obama deixou claro que era para Mubarak dar no pé. E, por óbvio, aquilo que se dizia ser “o povo” — e era a Irmandade Muçulmana — não saiu mais da praça. Aí começou aquela bobajada de que a revolução egípcia era a primeira feita pelo Facebook. Ninguém nem se interessou em perguntar quantos egípcios estavam efetivamente ligados à rede mundial de computadores. No dia 2 de fevereiro, Jabor, sempre pensando fatos de alcance histórico, afirmava o que segue:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=YHSe2MSOH5o%5D

Dois dias depois, escrevi aqui:
Uma das maiores mistificações destes dias é a história de que a Internet fez a revolução no Egito – e, pois, agitaria todo o mundo árabe, muito especialmente os países que têm governos apoiados pelos EUA.

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Como todo mundo, vi uma foto impressionante: milhares de pessoas que protestam na praça param e se ajoelham, cabeça posta ao chão.

Não! Não era para o Facebook, que boa parte nem sabe o que é. Era para Alá. A rede social que os une, vai ficando cada vez mais claro, se chama “Irmandade Muçulmana”. Talvez as redes sociais facilitem a comunicação um tantinho, só isso. Mas não estamos diante de um evento-relâmpago. Uma ideia mantém a praça ocupada, caramba!

Concluo
Não! Não tenho compromisso com o erro, nem com o meu próprio. Assim, é claro que posso mudar de ideia se percebo que estou errado. E deixo claro quando estou certo. Não é para me jactar. Faço-o em respeito aos leitores e porque uma das tarefas do jornalista não é dizer a obviedade que agrada. Com alguma frequência, é dizer a obviedade que desagrada. Os caminhos da dita “Primavera Árabe” sempre foram óbvios. Mas era uma obviedade incômoda e que caminhava na contramão do que parecia ser o politicamente correto.

A Irmandade Muçulmana ficou muito grata a esses escrúpulos. E os terroristas também.  

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