PICHADORES DA LEI E DO BOM SENSO
Li com atraso o artigo, publicado na Folha (íntegra aqui) na segunda passada, em que o medalhão Paulo Herkenhoff faz a defesa indignada da pichadora Caroline Pivetta. Ela, como sabemos, já passou. Daqui a pouco, talvez tente algum outro ato de vulto em busca de mais alguns minutos de celebridade. E o país segue mais […]
Não foi o único defensor de Caroline, como sabemos. A Mafaldinha despertou a solidariedade de jornalistas, advogados, ministros de estado… Cada um usou o episódio como quis. Herkenhoff aproveitou para atacar a direção da Bienal, que talvez mereça mesmo ser atacada. Mas por outros motivos. Se o nosso especialista em artes se inteirar um tantinho da lei, vai ver que ela não poderia usurpar as funções da Justiça.
Li o artigo do libertário Herkenhoff e não vejo motivos, segundo os seus argumentos, como lembrou um leitor, para que se impeça Caroline de se expressar (afinal, ela “se expressa”, certo?) na Pinacoteca, no Museu da Língua Portuguesa, no MAM, no MASP, na Osesp… Qualquer que seja o espaço, público ou privado, destinado às artes, creio que ele pode perfeitamente abrigar os protestos da moça.
Em seu artigo — que, reitero, é apenas uma peça de ataque à direção da Bienal —, Herkenhoff argumenta que Caroline não danificou obra nenhuma. Imodestíssimo, escreve: “No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo. Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um ‘ataque’ danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?”.
Herkenhoff pode ter lá suas convicções sobre arte, mas suas teses sobre direito não valem dois reais. Seu mestrado em Nova York o autoriza a responsabilizar a direção da Bienal pelas decisões da Justiça? Desde quando a chiadeira ou não do arquiteto que projetou o prédio tem algum peso no crime — e suas conseqüências — praticado por alguém? Seguindo o seu raciocínio, não haveria mal nenhum em Caroline invadir a Sala São Paulo e “grafitar” (como ele quer) alguma área que possa ser pintada em seguida. Não havendo danos permanentes ao prédio, tudo bem…
Caroline, com uma carreira artística que já conta com cinco boletins de ocorrência e dois processos (todos por pichação), concedeu ontem entrevista ao Fantástico. Fiquei mais inclinado à piedade do que à animosidade. Especialmente porque ela foi adotada e incensada por alguns bacanas e medalhões, que decidiram usá-la como mero pretexto para atacar inimigos, pouco se importando com o fato de que ela reitera numa prática que é, vejam que coisa!, definida como crime. Não! Ela não prometeu parar. Estava ali, sem dúvida, uma livre pensadora…
Se Caroline invadir o Museu da Língua Portuguesa para dar a sua contribuição, qual deve ser a atitude dos seguranças e da Polícia? Tenho uma idéia: devem chamar o “mestre em direito” (pela Universidade de Nova York!!!) Paulo Herkenhoff; o ministro da Cultura, Juca (Queeem?) Ferreira; o ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi (ele já foi um adepto do Manual de Guerrilha escrito por Carlos Marighella, que propunha coisa bem piores do que pichações…), e alguns advogados da OAB… Juntos, eles fariam uma defesa entusiasmada do direito que Caroline tem de pichar o que pensa.
Herkenhoff, Ferreira, Vannuchi e outros tantos também são pichadores. Do bom senso e da lei.