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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Os pterodáctilos patrulham as redes sociais. Ou: Se você é bom, justo e democrata, então não pode ser de esquerda. É uma questão de história e de lógica elementar

Vocês acompanharam a mobilização nas chamadas “redes sociais” em favor do ministro do Esporte, Orlando Silva. Tentou-se simular a luta de Davi contra Golias. Com menos militantes do que o PT, mas com agressividade até maior, os partidários do PCdoB foram à luta sem classe. Acho que não tinham uma causa assim tão importante desde […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h27 - Publicado em 19 out 2011, 06h39

Vocês acompanharam a mobilização nas chamadas “redes sociais” em favor do ministro do Esporte, Orlando Silva. Tentou-se simular a luta de Davi contra Golias. Com menos militantes do que o PT, mas com agressividade até maior, os partidários do PCdoB foram à luta sem classe. Acho que não tinham uma causa assim tão importante desde 1956, quando Krushev denunciou os crimes de Stálin, e eles decidiram ficar com… Stálin! Noticiou-se ontem também que o PT vai treinar militantes para patrulhar as redes sociais e as áreas de comentários de sites e blogs da imprensa. O partido estaria sendo vítima da crítica infundada de conservadores e reacionários. Uau!

O vetor desses eventos é um só: a suposição de que todos eles são dotados de uma superioridade moral, que lhes seria conferida pela história, que lhes facultaria, num caso, justificar os crimes e, no outro, tolher, na prática, a liberdade de expressão, já que falsos “leitores” pretendem se comportar como espiões de leitores reais. Mais do que espionar, o objetivo é mesmo combater os “adversários” na rede, molestá-los. Ocorre-me perguntar: quem confere a essa gente essas licenças? Por que se dão tais “direitos”? Agora teremos de viajar um pouco numa digressão para, depois, voltar ao ponto.

Você é de esquerda? Não, você não é!
Você quer que todos tenham acesso a benefícios básicos para uma vida decente e se considera de esquerda, leitor amigo? Há uma boa chance de que você seja só uma pessoa boa. E isso é muita coisa. Sendo boa, de esquerda não pode ser. Ainda que pense ser.

Você defende a igualdade perante a lei e se considera de esquerda, leitor amigo? Há uma boa chance de que você seja só uma pessoa justa. E isso é muita coisa. Sendo justa, de esquerda não pode ser. Ainda que pense ser.

Você defende que a liberdade é um bem inegociável e se considera de esquerda? Há uma boa chance de que você seja só um democrata. Sendo um democrata, de esquerda não pode ser. Ainda que pense ser.

Escrevo essas coisas com absoluta tranqüilidade porque as esquerdas têm uma história. Onde quer que o socialismo tenha se instalado, feneceram a justiça, a democracia e a bondade. Sem exceção. O arbítrio tomou o lugar da lei. O partido tomou o lugar da sociedade. As escolhas coletivas tomaram o lugar das escolhas individuais. Instalou-se o reino do terror. O socialismo morreu, resistindo aqui e ali como manifestação de um tempo jurássico, mas a tirania política que ele engendrou está mais viva do que nunca. A China é um bom exemplo. Quando escrevo “mais viva do que nunca”, não recorro a uma força de expressão. Tomo as palavras na sua literalidade. O modelo chinês demonstra que, ao contrário do que supunham alguns liberais um tanto idealistas, a economia de mercado pode conviver com a tirania. Só pode existir democracia em sociedades de mercado, mas o mercado não condiciona a democracia. A única herança do socialismo é mesmo a maldita: emprestou a “tirania perfeita” ao capital.

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A essa altura, o rapazola e a moça doutrinados pelo marxismo vagabundo das nossas universidades e faculdades se arrepiam: “Como? Então não houve e não há ditaduras capitalistas, que nada devem ao socialismo?” Houve e há! Todas devida e justamente satanizadas pelas pessoas civilizadas. Sempre se soube que o regime de Pinochet ou que a ditadura militar brasileira um dia chegariam ao fim. Equilibravam-se na precariedade, ainda que brutal. A China, ao contrário, é considerada uma alternativa de construção de sociedade. O que há de mais detestável e asqueroso naquele modelo é considerado cláusula pétrea do sistema. Afinal, o país fez a “revolução comunista”, e aquela seria uma escolha do povo.

Felizmente, fascismo e nazismo foram banidos como referência e como um valor a embalar certas utopias. O mesmo não se deu com o socialismo. É espantoso! Não há, na história da humanidade — notem bem: DA HUMANIDADE!!! — um modelo de gestão de sociedade que tenha custado tantas vidas, que tenha matado tantos camponeses e operários, que tenha causado tantos desastres ambientais. Não obstante, muitos ainda hoje o têm como inspiração alegando que o que se viu não foi o “verdadeiro” socialismo. Entendo: o verdadeiro é o que não existiu…

Começo a encerrar a digressão para voltar ao ponto. Meu bom moço, minha boa moça, se vocês querem justiça, então só podem aceitar uma sociedade em que a lei limite o arbítrio. E não houve e não há regime de esquerda que tenha oferecido isso. Se vocês querem democracia, então só podem aceitar um modelo em que a sociedade tenha mais importância do que o partido. E não houve e não há regime de esquerda que tenha oferecido isso. Se vocês querem uma sociedade generosa, então os indivíduos reais têm de ter primazia sobre a coletividade abstrata, e não houve e não há regime de esquerda que tenha oferecido isso.

Esse conjunto de valores que lhes disseram ser de esquerda é, na verdade, essencialmente liberal — o que não quer dizer que o liberalismo os tenha sempre praticado. Quer dizer que só pode ser efetivamente posto em prática onde há liberalismo. Um esquerdista não tem princípios inegociáveis, porque estes são forjados na luta. É da natureza de sua escolha. Um esquerdista não tem fidelidades; tudo depende das necessidades do partido. É da natureza de sua escolha. Um esquerdista não tem livre arbítrio; a causa vai determinar a sua opção. É da natureza de sua escolha.

O que o socialismo fez foi seqüestrar o humanismo para a sua causa, sustentando que a sua amoralidade essencial, aquela de que trata Trotsky no artigo que publiquei, é condição para a realização dos grandes anseios do homem. Todas as tiranias se instalam alegando bons propósitos. Esses seus anseios de justiça, meu bom moço, minha boa moça, só podem ser realizados em sociedades abertas, livres, plurais, capitalistas, liberais. É por isso que vocês não são de esquerda. Em sendo, então não podem falar em nome daqueles valores. Encerro a digressão aqui para voltar ao ponto.

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Voltando ao ponto
Porque se consideram, então, dotados daquele exclusivismo moral muito típico, partidários do PCdoB foram para a rede para defender o ministro Orlando Silva, acusando uma grande conspiração das elites, como se os problemas do Ministério do Esporte se limitassem às denúncias do policial João Dias Ferreira. Falso! Mas, afinal, eles são os “comunistas do Brasil” e só querem o bem. Por isso podem justificar a roubalheira e a sem-vergonhice.

Se os grandes portais e os sites dos jornais mantiverem suas áreas de comentários sem qualquer filtro ou mediação, como é hoje, seus leitores reais serão moralmente espancados pela Sturmabteilung virtual petista. Faço referência à tropa de assalto dos primeiros tempos do nazismo, a SA, que era comandada pelo brutal Ernst Röhm.

A direção do partido já decidiu treinar militantes para criar essas Sturmabteilungen, que se encarregarão de patrulhar as redes sociais para combater os críticos do PT. Escrevi ontem a respeito. É uma ilusão achar que as tecnologias contemporâneas modernizam também as cabeças e apuram, por si, a democracia. Sei que é uma obviedade, mas é preciso escrever: os pterodáctilos também podem se beneficiar dos avanços técnicos. E eles estão em toda parte. Com a moral que lhes é muito peculiar.

No texto “A Nossa Moral e a Deles”, Trotsky responde à indagação se todos os meios são válidos na luta da esquerda. Leiam:
“São admissíveis e obrigatórios apenas os meios que aumentam a coesão do proletariado, inflamam sua consciência com um ódio inextinguível a  toda forma de opressão, ensinam-lhe a desprezar a moral oficial e seus arautos democráticos, dão-lhe plena consciência de sua missão histórica e aumentam sua coragem e sua abnegação. Donde se conclui, afinal, que nem todos os meios são válidos.”

Acho que tudo está dito aí, não? SÓ NÃO SÃO VÁLIDOS OS MÉTODOS MORAIS! Essa é a receita dos tiranos, dos indecentes, dos amorais. E nós defendemos bondade, democracia e Justiça. Eles só buscam uma retórica altaneira para justificar seus crimes. Podem não comer criancinhas, mas já as matam aos milhões ao longo da história. Podem não matá-las hoje em dia, mas assaltam suas lancheiras.

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