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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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O AMIGO DOS E-MAILS DA MADRUGADA E AS ELEIÇÕES AMERICANAS

Lembram-se daquele amigo com quem troquei e-mails sobre Barack Obama? Ele reaparece na véspera da eleição americana. Com algumas provocações interessantes, como sempre. Escreve-me ele o que segue em azul — os trechos do artigo de Jeffrey Hart, que aparecem transcritos, ele os enviou em inglês. Traduzi, com algumas adaptações para facilitar a compreensão, para […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 18h40 - Publicado em 3 nov 2008, 06h23
Lembram-se daquele amigo com quem troquei e-mails sobre Barack Obama? Ele reaparece na véspera da eleição americana. Com algumas provocações interessantes, como sempre. Escreve-me ele o que segue em azul — os trechos do artigo de Jeffrey Hart, que aparecem transcritos, ele os enviou em inglês. Traduzi, com algumas adaptações para facilitar a compreensão, para atender a um número maior de leitores. Seguem o seu e-mail e a resposta que lhe mandei.

Caro:
Recebi agora minha Economist dessa semana. A capa é Obama, com o título “It’s Time”. O editorial endossa “wholeheartedly” a candidatura de Obama. Sei, sei: é um revistinha mixuruca, antiamericana, etc.

Deixemos a Economist pra lá. Jeffrey Hart, fundador da Dartmouth Review, uma das pioneiras publicações acadêmicas do moderno movimento conservador, um burkeano de primeira, ex-assessor de Reagan e mentor de intelectuais conservadores como Dinesh d’Souza, Gregory Fossedal e Laura Ingraham, agora com 78 anos e ainda dando conferências em Dartmouth, escreve hoje:

“O republicano George W. Bush não foi um conservador coisa nenhuma, nem na política interna nem na externa. Ele invadiu o Iraque com base numa teoria abstrata, coisa que Burke rejeitaria. Bush tinha o objetivo de fazer do Iraque uma democracia ‘um farol da liberdade no Oriente Médio’, como ele explicou num discurso de rádio em abril de 2006.
(…)
Obama compreendeu. Em seu agora famoso discurso de 2002, quando ainda era senador estadual de Illinois, ele disse: ‘Entendo que o sucesso da guerra contra o Iraque requer a ocupação [do país] por tempo indeterminado, a um custo indeterminado, com conseqüências imprevisíveis. Entendo que a invasão do Iraque sem uma clara exposição de motivos e sem o apoio internacional vai inflamar o Oriente Médio, encorajando os piores, em vez dos melhores, impulsos do mundo árabe, fortalecendo a Al Qaeda. Eu não me oponho a qualquer guerra. Eu me oponho a uma guerra estúpida’.

Burke teria concordado integralmente e admirado a síntese irrefutável. E uma coisa eu sei: Nixon e Reagan teriam concordado. Ambos foram conservadores prudentes e bem-sucedidos. Mas todos os órgãos do movimento conservador seguiram Bush para o abismo — como fez John McCain.”

Hart conclui:

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“Obama é o conservador na eleição de 2008″

Enquanto isso, o mais brilhante conservador no cenário brasileiro, que é Reinaldo Azevedo, continua a deslustrar a si mesmo dizendo que “Obama é o Lula deles”…Grande abraço.XXXA MINHA RESPOSTACaro XXX,

Comecemos por sua ironia inicial, hehe. Já tratei alguma vez a Economist como “uma revistinha antiamericana”? Acho que não. É verdade que já gozei a revista algumas vezes, mas nunca deixei de lhe reconhecer a excelência. Sim, há um certo viés esnobe na publicação com aquela gente do “Novo Mundo”… Mas normal para quem se pretende a voz do que já foi um império onde o sol nunca se punha… Não custa lembrar que a Economist previu que os carros jamais substituiriam os cavalos e que ninguém seria idiota o bastante para ficar em frente a uma caixa com som e imagem — referia-se à televisão. Enganos, reconheço, plenos de charme e, bem…, humor ingleses.

Vamos ao resto. Os argumentos que agora estão sendo elencados por essa ala dos conservadores são a evidência mais explícita dos enganos que hoje — NOTE BEM: HOJE — cercam Obama. É um voto contra Bush? Pois bem. Em certa medida — ou em muitas medidas —, McCain é mais anti-Bush do que o próprio democrata. Votou a favor da invasão do Iraque? É verdade. Como quase todos os senadores, também os democratas. E foi crítico do andamento da guerra desde sempre, você sabe disso. Fazia picadinho do Rumsfeld na televisão e na imprensa escrita dia sim, dia também. Foi o analista mais severo das opções feitas pelo governo Bush na primeira fase do conflito.

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E a imprensa americana o amava por isso. Basta consultar os arquivos: McCain virou o queridinho do aparato midiático democrata. Não faltava quem lamentasse que ele fosse um republicano. Sempre, meu caro XXX, ele foi tratado como um independente. Ele só se tornou um “republicano” e “seguidor de Bush” depois que venceu as primárias.

Os conservadores estão brincando de Il Gattopardo, achando que podem ceder os anéis para não perder os dedos. Mas é uma tolice. Até porque não cedem nada, não é? As pesquisas estando certas, Obama é o vencedor com ou sem o apoio conservador. E não deixa de haver nisso tudo uma certa covardia, bastante constrangedora até. Ser Obama agora, a esta altura do campeonato? Ah, não. Deveriam ter feito antes tal escolha, lá no começo. Você, por exemplo, é Obama desde o começo, sei disso.

Meu ponto, desde sempre, é um só: não sabemos nada do homem — a Economist, você ou eu — além de seu primeiro mandato como senador por Illinois. Sim, fez alguns discursos com um retórica, vá lá, encantadora, considerada a pobreza destes dias na área, não é? Você certamente conhece ou tem aí o Lend me Your Ears, com os grandes discursos da história selecionados pelo William Safire. Há, claro, muitos americanos entre os Cíceros e os Sócrates da vida. Obama fala bem. Mas nada que já pudesse figurar na seleta de Safire…

Eu me pergunto: por que tanto entusiasmo por Obama, seu e de alguns outros amigos, cuja inteligência respeito — além, é claro, da verdadeira febre mundial? Tenho algumas hipóteses. Mas antes ao que realmente pesa e deve lhe dar a vitória. Suas (dele) respostas para a crise, especialmente depois da real explosão da bolha imobiliária — QUE NÃO É SÓ AMERICANA — são substancialmente melhores do que as de McCain? Não são. Pela simples e óbvia razão de que ambos não têm a menor noção, porque ninguém tem, da extensão do problema.

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É possível que a simples eleição de Obama mobilize, sei lá eu, energias novas? Vamos ver. Temos ambos dificuldades de lidar com essas categorias, não? Isso, sim, parece-me abstração pura — como Burke também não recomendaria.

Hart é uma figura respeitável, mas deveria parar de se comportar como um cavalo de Burke, recebendo-lhe o espírito para dizer com o que concordaria ou deixaria de concordar. Um velhinho sem dúvida porreta. Mas, nesse caso, o expediente tem um quê de trapaça intelectual, não é? Lembra a turma do “outro lado” que, volta e meia, vem dizer o que “Marx realmente pensaria” disso e daquilo.

Acho que há uma evidência empírica de que a guerra do Iraque tem pouco peso na eleição: Bush, que era Bush — e não o “independente” McCain — foi reeleito quando a situação era realmente periclitante. Hoje, convenha, está sob controle — e, não por acaso, o tema sumiu da imprensa. O que está dando a vitória a Obama é a crise econômica. Basta chamar Alan Greenspan para a conversa, e ele relatará a culpa que os democratas também tem nesse imbróglio — ele até já ensaiou um mea-culpa.

E agora vou para a sua ironia final, quando você me chama “o mais brilhante conservador no cenário brasileiro”. Bem, não sou. E você mesmo está entre os meus candidatos a tal posto. Você sabe o contexto em que chamei Obama de “o Lula deles”: a atribuição ao candidato de virtudes que revelam, antes, desejos, anseios, esperanças, tudo plasmado numa pauta, nem sei como chamar, de abstrações.

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Os Estados Unidos vivem, de certo modo, uma terceiro-mundização da política. Já escrevi isso há tempos, e Diogo toca no assunto na coluna desta semana de VEJA, com ironia certeira. Em que consiste essa decadência? Numa espécie de crença coletiva — muito antiburkiana, diga-se — de que basta falar para a coisa acontecer. Ou ainda pior: é como se a palavra do demiurgo pudesse ser tomada pela própria coisa. Não por acaso, o próprio Obama, ao fazer auto-ironia, diz de si mesmo ser o “Messias”.

Hart é brilhante, mas, máxima vênia, está errado. Obama é um sinal de regressão do debate público nos EUA. E de várias maneiras diferentes e combinadas. Porque simboliza esse aspecto deletério da política como eixo de abstrações — o que Burke tem com isso, Hart? — e porque qualquer outro, em seu lugar, se branco fosse, não lograria o mesmo sucesso. Ele está protegido por uma carapaça inexpugnável: a sua pele. Ou não é verdade que se diz abertamente que só o racismo oculto pode derrotá-lo? Repare: parece impossível deixar de votar em Obama se não for por racismo. Ele é a obra perfeita, o verdadeiro Moisés, do pensamento politicamente correto: “Parla!”

E ainda acrescento: o racialismo (“é hora de um negro”), combatendo o racismo, não temeu descer a rampa na mais descarada misoginia. Em Hillary Clinton, a altivez — “tem sede de poder; é masculina demais” — parecia insuportável. Em Sarah Palin — que nunca foi Schopenhauer, claro — não se suporta aquele ar de dona de casa pariedeira, “sem experiência” para, numa fatalidade (caso McCain fosse eleito), assumir a Presidência dos EUA. Mas teremos mesmo de falar de experiência diante de Obama? A branca evangélica foi destruída com uma fúria que raramente vi — ou que nunca vi. O ódio contra Bush voltou-se todo para Sarah. Uma “reacionária” negra — existe alguma? — teria sido poupada, você sabe disso, mesmo que tida por estúpida.

Eu não “recebo” Burke, a exemplo de Hart, mas realmente não creio que ele endossasse o verdadeiro clima de chacota — da imprensa americana e mundial — com os eleitores de John McCain. Sou inclinado a achar que ele escolheria o republicano justamente porque este representa o diálogo com, vá lá, a América mais conservadora, sem ser, porque não é, um George W. Bush.

Já vou longe no meu e-mail. Como não expressar uma última contraposição àquele trecho do discurso de Obama? Repare: ele faz parecer que a Al Qaeda não tem pauta e apenas reage aos EUA — como se os atentados de 11 de Setembro não tivessem sido planejados ainda durante o governo Clinton e apenas executados no governo Bush. Ainda que a guerra do Iraque fosse um erro — não concordo com isso, você sabe —, o trecho do discurso que Hart elogia é, a meu ver, da mais pura delinqüência política.

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Amanhã é o dia. Obama deve vencer. Tomara que seja o grande presidente que o mundo espera. Se for assim, será pelas qualidades que vier a mostrar — inclusive as de falcão, se preciso —, e não por essa espécie de conspiração do bem que insiste em elegê-lo. Ousaria dizer, meu amigo, que será tanto melhor quanto mais decepcionar seus eleitores e fãs típicos — e você, evidentemente, não está entre estes. A exemplo de Hart, você conta com Obama para ser o “conservador” de que o mundo precisa.

Desnecessário dizer como espero que você esteja certo.

Do amigo,
Reinaldo

PS: Tudo certo para o dia 15 de novembro. Marque aí na sua agenda.

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