Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
Continua após publicidade

No país em que muitos intelectuais se comportam como prostitutas, seria fatal que prostitutas se comportassem como intelectuais. Ou: O declínio do que não chegou ao esplendor

No país em que se multiplicam intelectuais que se comportam como prostitutas e prostitutos, era questão de tempo que as prostitutas reivindicassem a condição de intelectuais. Não que, em muitos casos, a comparação não lhes seja realmente vantajosa e não possam produzir um saber que, vá lá, consegue ser ao menos mais prazeroso do que […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h03 - Publicado em 11 jun 2013, 17h23

No país em que se multiplicam intelectuais que se comportam como prostitutas e prostitutos, era questão de tempo que as prostitutas reivindicassem a condição de intelectuais. Não que, em muitos casos, a comparação não lhes seja realmente vantajosa e não possam produzir um saber que, vá lá, consegue ser ao menos mais prazeroso do que o rame-rame e o vai e vem de mera exaltação e justificação do poder em que se transformaram muitos setores da academia no Brasil. Vamos convir, não é? Receber dinheiro público — ou de estatais — para “pensar” e “produzir pesquisa” a serviço de um partido só é coisa diferente de cobrar para fazer gostoso porque é pior. A prostituta, ao menos no seu formato original — não me refiro às que passaram a falar como pós-doutorandas (já chego lá) —, tem o diferencial positivo da sinceridade. Não disfarça o que faz, não busca maquiar a natureza do seu trabalho. Já os que recebem capilé público para aplaudir o poder de turno tentam transformar a prostituição intelectual numa manifestação de resistência.

Leio no Globo um troço realmente espetacular. Reproduzo trecho em vermelho. Volto em seguida.

Quatro Prostitutas que participaram da campanha de prevenção à Aids com a frase “Sou feliz sendo prostituta”, que acabou sendo retirada do ar, vão enviar notificação extrajudicial ao Ministério da Saúde, na quarta-feira, conforme informou a coluna do Ancelmo Gois nesta terça-feira. Por meio do documento, elas pedem a revogação da autorização de uso de imagem e exigem a imediata suspensão das outras peças publicitárias em que aparecem.

As prostitutas da campanha argumentam “radical mudança” na campanha original, que deixou de privilegiar “o enfrentamento do estigma e preconceitos como estratégia de prevenção às DST e Aids” para focar-se apenas no incentivo ao uso da camisinha, tornando-se “higienizada e descontextualizada”.

“A proposta era reafirmar o entendimento, já consolidado técnica e politicamente, de que, para além das questões e informações biomédicas, o gozo de direitos básicos, autoestima e cidadania constitui condição imprescindível para a promoção da saúde, especialmente em grupos considerados sob maior vulnerabilidade social em razão do estigma, preconceito e discriminação social”, diz a notificação, elaborada pela Rede Brasileira de Prostitutas.

Continua após a publicidade

Segundo a ONG Beijo da Rua, o Ministério da Saúde retirou do ar peças que tratam de felicidade (“sou feliz sendo prostituta”), de cidadania (“o sonho maior é que a sociedade nos veja como cidadãs) e da luta contra a violência (“não aceitar as pessoas da forma que elas são é uma violência”), deixando apenas as que associam prevenção com camisinha.(…)

Voltei
Bem, prostituta que fala e argumenta desse jeito tem de estar dando aula na universidade, dedicando-se a conquistar clientes ideológicos, não é mesmo? Entendi. Campanhas de prevenção à AIDS não podem ser “higienizadas”… Claro, claro! “Estão falando de higienismo social, Reinaldo Azevedo…” Sim, sim, suponho que seja isso. Mas não deixa ter a sua graça mesmo assim.

Vejam bem: eu tenho uma visão, vamos dizer, “progressista” sobre esse tema. Existem casos, especialmente nos rincões do Brasil, de mulheres que foram levadas à prostituição ainda meninas por familiares. Não tenho números, mas não creio que seja a regra. A prostituição, no mais das vezes, é uma escolha mesmo. O antigo feminismo gostava de acreditar que ninguém faz isso por gosto. Faz! Tio Rei veio da pobreza. Havia as mulheres pobres, a maioria, que iam trabalhar nas fábricas, fazer faxina, vender cocada, e havia aquelas que decidiram fazer a felicidade da molecada e dos casados insatisfeitos. Era por gosto mesmo, não por determinação social ou da natureza. Assim como a pobreza, em regra, não faz o marginal, também não faz a prostituta.

Mas o determinismo social é coisa da velha sociologia, que ainda tinha duas patas no marxismo e duas no falso cristianismo da Escatologia da Libertação. O mundo mudou. O pós-marxismo vive a era da afirmação das identidades, da expressão do “eu-enquanto-isso-e-aquilo”. Ainda que os “mudernos” flertem com a ideia de que, na origem, a prostituição não é uma escolha (o Brasil é viciado numa história triste…), mudam a perspectiva: transformam a prostituição numa escolha ética mesmo, num modo de relacionamento social que não é apenas aceitável; é mais do que isso: ele seria portador de um saber não convencional que teria lições a dar à detestável sociedade conservadora. Nessa perspectiva, vista com maus olhos é a mulher pobre que decidiu, sei lá, lutar para superar a pobreza ou que venceu neste mundo cão. Esta seria não mais do que a “classe média” que Marilena Chaui odeia, entenderam?

Continua após a publicidade

Compreendam: não estamos mais diante do antigo paradigma da puta que é, no fundo, uma santa — o mito de Maria Madalena está aí (embora seja preciso fazer uma observação a respeito, já, já) — ou que exerce uma função redentora, de controle social. Leiam, a propósito, “Amar, Verbo Intransitivo”, de Mário de Andrade. Maria Madalena, a propósito, se arrepende e muda de vida; na perspectiva da sociologia prostituinte, não há arrependimento, mas transformação da atividade numa nova economia política.

E isso não se dá apenas com a prostituição, não! Os teóricos dos, por assim dizer, atos viciosos decidiram ocupar a cena para anunciar ao mundo que errados estão aqueles que, inseridos no mundo da produção — essa gente que faz a sociedade funcionar —, não compreendem a particularíssima abordagem, então, das prostitutas, dos consumidores de drogas, dos traficantes, dos que que saem por aí depredando prédios públicos, dos que resolvem submeter instituições a rituais de constrangimento e humilhação. São esses os heróis da modernidade.

O curioso é que a sociedade “careta” e “retrógrada”, a tal classe média que Marilena Chaui odeia, continua a ser a aquela que paga a conta de todas as generosidades que se cobram do estado, não é? Se alguns milhares, quem sabe milhões, decidiram enfiar o pé na jaca e consumir drogas, a conta ainda será distribuída entre aqueles que, sem consumir nada, se dedicam a trabalhar e a arrecadar recursos para o Fisco. Se milhares, quem sabe milhões, decidiram fazer sexo sem proteção, também essa conta será enviada àqueles reacionários, acusados de especialistas no papai-e-mamãe.

O declínio sem auge
Vocês assistiram ao filme “O Declínio do Império Americano”, dirigido pelo canadense Denys Arcand? Há uma cena em que uma prostituta masturba o seu cliente — um professor metido a pensador pós-moderno — enquanto faz uma longa arenga, muito douta, muito sábia, plena de saberes alternativos, sobre a crise do ano 1000… Ela não para nem mesmo quando ele avisa que, como diriam os portugueses, está “a vir-se”.

Continua após a publicidade

Essa história da notificação extrajudicial é uma evidência, sim, da nossa decadência. A única coisa chata é que a decadência colhe o país antes da chegada ao esplendor.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.