MST E CPT INVADEM ATÉ A PRIMEIRA PÁGINA DO ESTADÃO
O Estadão publica hoje uma reportagem, que lhe rendeu manchete, toda ela pautada pela Comissão Pastoral da Terra. Isso quer dizer que o MST, quem diria?, invadiu as páginas do Estadão. Espero que não consigam levar a sua lona preta para os editoriais, quase sempre excelentes. A manchete informa: “Conflito agrário cresce no governo Lula”. […]
O Estadão publica hoje uma reportagem, que lhe rendeu manchete, toda ela pautada pela Comissão Pastoral da Terra. Isso quer dizer que o MST, quem diria?, invadiu as páginas do Estadão. Espero que não consigam levar a sua lona preta para os editoriais, quase sempre excelentes.
A manchete informa: “Conflito agrário cresce no governo Lula”. Quem coletou os dados, com base em informações fornecidas pela “sem-terrista” Comissão Pastoral da Terra, é o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, pesquisador da Universidade Federal Fluminense, que trabalha para a pastoral. “CONFLITIVIDADE”? Carlos Walter invadiu o dicionário e passou o trator sobre as palavras, mais ou menos como o MST faz com laranjais. “Conflitividade” é um modo de evitar a palavra “invasão”, emprestando-lhe uma espécie de sotaque e abstração sociológicos que faz parecer que a bandidagem no campo é uma fatalidade da natureza ou das relações sociais. Mas vamos lá.
Entre 2003 e 2009, seis anos de governo Lula, a média anual de “conflitividades” chegou a 929, contra 800 nos seis primeiros anos do governo FHC. Em 2001, uma Medida Provisória que indispunha para reforma agrária terras invadidas e que criava uma cadastro de invasores fez com que essa média anual caísse para 536. A MP continua em vigor, mas o governo Lula se nega a aplicá-la — isto é, não cumpre uma lei. E é isso que fez a média quase dobrar entre 2003 e 2009: das 536 invasões para 929.
O “geógrafo da conflitividade” tem uma explicação — e, nesse caso, o Estadão não se preocupou em ouvir o “outro lado”. Segundo ele, “a eleição de Lula, um operário ligado ao Partido dos Trabalhadores, significou a afirmação do processo de redemocratização, criou enormes expectativas de mudanças e, ao mesmo tempo, açulou o medo das oligarquias rurais, que passaram a reagir com maior intensidade e mais violência”.
Essa sua explicação, acreditem, foi parar no texto da manchete do Estadão, indicando que o MST invadiu também a primeira página. Entende-se, segundo o que vai acima, que os oito anos de governo FHC e os dois anteriores, de Itamar Franco, não tinham, ainda, “afirmado o processo de democratização” o bastante. Só o governo Lula o fez. E, como se nota, os responsáveis pelos conflitos são “as oligarquias rurais”, que passaram a reagir “com violência” ao pacifismo do MST… É o fim da picada! Mais: a fala trata como um dado da realidade esta relação: “mais conflitos = mais democracia”.
Com a mesma sem-cerimônia com que assalta o vocabulário, Porto-Gonçalves assalta os fatos. Ele próprio informa ao repórter do Estadão que “a violência no campo atinge o maior volume de assassinatos já registrado na história recente” entre 1985 e 1990″, o que desmente a sua própria fala destacada em negrito. A reportagem não percebeu a contradição por uma razão óbvia: a matéria está sendo conduzida segundo a visão de mundo da CPT e, por conseqüência, do MST.
E o rapaz vai longe, vendendo a sua versão ao Estadão, que não se ocupou de ouvir mais ninguém. Como é que Porto-Gonçalves chega à conclusão de que aumentou a violência no campo? Assim: “Não foi só a violência do poder privado que aumentou. No período recente, houve um crescimento notável no número de famílias despejadas de áreas ocupadas, o que significa que a violência do poder público também aumentou.”
Entenderam? Ele está chamando as ações de reintegração de posse, determinadas pela Justiça, de “violência”. Vale dizer: se o proprietário defende a sua propriedade por conta própria — leitor, você tem ou não o direito de proteger a sua casa ou o seu apartamento? —, é “violência das oligarquias”; se ele recorre à Justiça, aí é “violência do poder público”. Corolário: a única saída, para se aplicar a não-violência, é deixar o MST invadir à vontade.
Os números, ainda que fornecidos pela turma da invasão, provam o descalabro do governo Lula nessa área. Quanto ao Estadão, fazer o quê? Acho que o Movimento dos Sem-Jornal poderiam tentar invadir o mais que centenário defensor do republicanismo, não é mesmo? Ou, então, em nome do “outro lado”, a direção poderia contratar alguns ruralistas. Como se nota, o MST e a CPT já chegaram à reportagem e à primeira página. Já que não conseguimos mais garantir o princípio da lei no jornalismo, que se fique, ao menos, com o equilíbrio do outro-ladismo. É detestável, eu sei. Mas ainda é melhor do que ser editado pelo MST.
Às vezes, fico com a impressão de que a sala ou andar dos editoriais estão com o MST estacionado na porta, pronto para invadir as terras do bom senso.