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Memória: De caso com os sanguessugas

O senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, não entende nada de democracia ou de imunidade parlamentar. Então vamos lembrar a sua obra na Saúde, em reportagem da VEJA de 26 de julho de 2006. * O caso da máfia dos sanguessugas já era, na semana passada, um dos maiores escândalos de corrupção […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h56 - Publicado em 30 ago 2011, 00h30

O senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, não entende nada de democracia ou de imunidade parlamentar. Então vamos lembrar a sua obra na Saúde, em reportagem da VEJA de 26 de julho de 2006.
*
O caso da máfia dos sanguessugas já era, na semana passada, um dos maiores escândalos de corrupção descobertos no país. Nada menos do que 57 parlamentares estavam sob suspeita de ter recebido suborno de uma empresa de ambulâncias, a Planam, para destinar recursos do Orçamento federal a prefeituras compradoras dos veículos. Na quinta-feira passada, porém, descobriu-se que tanto o número de envolvidos no esquema quanto o seu alcance haviam sido subestimados. Os parlamentares acusados de participar da máfia dos sanguessugas ultrapassam uma centena – o número exato é 112 -, e o Legislativo não é o único poder atingido por ela. O rastro do suborno e do tráfico de influência alcança também o Executivo federal – mais precisamente a porta do gabinete do ex-ministro da Saúde Humberto Costa, hoje candidato ao governo de Pernambuco pelo PT. As revelações foram feitas pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, um dos sócios da Planam, ao longo de uma série de depoimentos sigilosos prestados à Justiça Federal nas duas últimas semanas.

VEJA apurou que, nessa série de depoimentos, Vedoin contou que, no início de 2003, quando o presidente Lula baixou um decreto restringindo o pagamento de débitos contraídos na gestão anterior, a Planam ficou sem ter como receber uma dívida de 8 milhões de reais da qual era credora no Ministério da Saúde. Assim, Vedoin e seu pai, Darci Vedoin, também sócio da Planam, procuraram o então ministro da Saúde Humberto Costa para tentar uma solução para o problema. Por meio de um amigo comum, que fez a aproximação, os Vedoin encontraram-se com Costa, em seu gabinete, em fevereiro daquele ano. O ministro, segundo Vedoin, disse que não poderia liberar a verba, mas, no fim da reunião, apresentou aos empresários seu chefe-de-gabinete, Antônio Alves de Souza, hoje secretário de Gestão Estratégica do Ministério da Saúde. Segundo contou Vedoin, Costa disse que Souza poderia estudar a possibilidade de conseguir a liberação do pagamento.

No mês seguinte, o dono da Planam foi procurado por um certo José Caubi Diniz. Na conversa, que aconteceu durante uma feira de negócios em Brasília, Diniz disse ter sido informado por Souza, o chefe-de-gabinete de Costa, de que a Planam estava tentando obter seu pagamento do governo federal. Afirmou que poderia conseguir a liberação do dinheiro. Para isso, contaria com a ajuda do petista José Airton Cirilo, que, segundo ele, teria grande influência junto ao ministro Humberto Costa. Cirilo, integrante do Diretório Nacional do PT, foi presidente do partido no Ceará, duas vezes prefeito da cidade de Icapuí e candidato a governador do Ceará em 2002. Por indicação do presidente Lula, também participou do governo federal: ocupou um dos postos de direção da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Dias depois do encontro na feira de negócios, Vedoin e o pai – acompanhados de Diniz e Cirilo – desembarcaram na ante-sala do gabinete de Humberto Costa, no Ministério da Saúde. Lá, Cirilo despachou sozinho com o ministro por cerca de duas horas. Ao fim da audiência, o petista disse aos presentes que havia conseguido a liberação do dinheiro da Planam, em quatro parcelas. No dia 1º de abril, assim que os Vedoin receberam o primeiro pagamento, repassaram a Cirilo, conforme havia sido combinado, 35.000 reais – a primeira parte de uma “comissão” que totalizou 400.000 reais. O dinheiro, afirmou Vedoin, foi depositado na conta de um sobrinho de Cirilo, chamado Raimundo Lacerda. Os comprovantes dos depósitos foram entregues à Justiça. O esquema montado pela quadrilha deu tão certo que Cirilo e Vedoin decidiram ampliá-lo. Segundo o empresário, o dirigente petista disse que havia combinado com o próprio ministro Humberto Costa a liberação de 30 milhões de reais de recursos extra-orçamentários que seriam destinados à aquisição de equipamentos hospitalares para municípios do interior. Para que a Planam lucrasse com o negócio, bastaria ganhar fraudulentamente as licitações, com a ajuda dos prefeitos, e, ao fim do processo, pagar 15% de propina a Cirilo. A empresa de Vedoin chegou a efetuar algumas vendas, mas o processo foi interrompido assim que começaram a ser presos os primeiros envolvidos no esquema dos sanguessugas.

De acordo com os depoimentos de Vedoin, o número de parlamentares suspeitos de participar dos negócios escusos – que, segundo a Polícia Federal, teriam movimentado pelo menos 110 milhões de reais desde 2001 – chega a quase 20% do Congresso. VEJA reproduz nesta edição a lista completa dos deputados e senadores apontados pelo empresário como participantes daquele que é, provavelmente, o mais bem documentado escândalo de corrupção da história do Brasil. Vedoin, em seus depoimentos, não se limitou a indicar, um a um, os deputados e senadores que recebiam propina de sua empresa – em geral, 10% do valor de cada emenda ao Orçamento aprovada e liberada pelo governo federal. O empresário forneceu à Justiça mais de uma centena de cópias de transferências bancárias e depósitos – feitos ora em conta corrente de “laranjas”, ora diretamente na conta de parlamentares e prefeitos. Sessenta prefeitos foram acusados por Vedoin  de participação no esquema dos sanguessugas.

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Entre os 112 parlamentares acusados de integrar a máfia, há deputados que ganharam sua propina em dinheiro vivo, outros que usaram parentes e funcionários para ocultar o suborno e até os que receberam carros a título de “comissão”. Um dos nomes que mais chamam atenção na relação apresentada à Justiça por Vedoin é o do ex-deputado paulista pelo PPS Emerson Kapaz – tanto pela robustez das provas apresentadas contra ele quanto pelo espanto que causa a presença, numa lista como essa, de alguém que sempre foi um defensor da ética na política e no mundo empresarial. Hoje presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Kapaz, empresário do ramo de plásticos, elegeu-se em 1998. O dono da Planam contou que o então deputado apresentou emendas ao Orçamento destinando 1,6 milhão de reais para compra de ambulâncias em dez municípios. Desse montante, o governo liberou cerca de 1 milhão. Segundo Vedoin, Kapaz tratou diretamente com os prefeitos beneficiados para que as licitações para compra de ambulâncias tivessem como vencedora a Planam. Vedoin apresentou à Justiça os números de dois cheques que teriam sido usados para pagar a propina ao então deputado, totalizando 52.000 reais. Segundo Vedoin, Kapaz pediu a ele que o dinheiro fosse repassado por meio de uma operação triangular: num primeiro momento, o dinheiro circulou em contas de empresas do próprio Vedoin, por meio de cheques. Em seguida, foi transferido, segundo Vedoin, a pedido de Kapaz, para cinco outras contas, em nome de firmas e pessoas indicadas pelo ex-deputado, entre elas Laura Mosiasson, na ocasião mulher de Kapaz. “Não tenho idéia de como meu nome possa estar envolvido nessa história”, disse o ex-deputado. “Pelo que me lembro, minhas emendas nem chegaram a ser liberadas”, afirmou a VEJA. Outro nome que causa surpresa é o de Érico Ribeiro (PP-RS). Maior produtor de arroz do Brasil, Ribeiro também foi acusado por Vedoin de cobrar propina em troca de emendas. É curioso que um multimilionário possa ter arriscado sua reputação em troca de alguns milhares de reais.

O esquema dos sanguessugas só pôde alcançar essa dimensão depois de se infiltrar no Ministério da Saúde. Para isso, contou com uma peça-chave: a ex-funcionária da Planam Maria da Penha Lino, que, em agosto de 2005, conseguiu ser nomeada assessora do ex-ministro Saraiva Felipe, então titular da Saúde. Uma vez dentro do gabinete, Maria da Penha tratou de agilizar a aprovação dos projetos da Planam e a execução de emendas que interessavam à empresa. Como uma lobista foi nomeada tão facilmente para assessora do ministro da Saúde? Em seu depoimento, o empresário Luiz Antônio Vedoin explicou. De acordo com ele, o deputado José Divino e o senador Ney Suassuna – citados na primeira lista de suspeitos de envolvimento com a máfia das ambulâncias – chegaram a fazer ofícios ao ministério recomendando a nomeação de Maria da Penha para o cargo. Ainda segundo Vedoin, Saraiva Felipe foi receptivo à idéia. A nomeação de Maria da Penha foi feita dentro da “cota” do ministro.

Vedoin relatou todo o esquema à Justiça, com nomes, quantias e provas materiais, em troca do benefício da delação premiada – que prevê redução de pena para criminosos que colaborarem com as investigações. Ele foi solto há duas semanas, depois de abrir o bico. Seus depoimentos causam assombro ao revelar o grau de capilaridade que a máfia dos sanguessugas alcançou, assim como a extensão do assalto que ela perpetrou contra o Estado e o número de parlamentares acusados de envolvimento nela. As revelações levam à triste constatação de que a corrupção parece ter se instalado no Congresso como um cupinzal subterrâneo. Ele se dissemina em velocidade atordoante, contaminando e corroendo cada centímetro sadio que encontra pela frente. Em vez de extingui-lo, cada nova eleição parece fortalecê-lo. Os cupins apenas se revezam – e surgem com fôlego renovado. Pobre Brasil.

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