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Marine é uma filha do pai, mas é tradicional; Macron é mainstream

Marine Le Pen vem de uma longuíssima tradição da extrema direita francesa; Macron, ex-Partido Socialista, é um quadro da elite tradicional

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 24 abr 2017, 05h39 - Publicado em 24 abr 2017, 03h07

Pois é… Não que eu faça questão. Mas também não repudio. A que me refiro? A andar na contramão de vagas influentes. Não tenho essa expressa determinação, mas também não me assusta minimamente ser, eventualmente, voz isolada. Quem escreve para ganhar “likes” e “curtidas” são os onanistas das redes sociais, que confundem a aceitação do que dizem com a evidência de que estão certos… Boa parte busca o aplauso dos idiotas. Vamos lá.

Marine Le Pen, da Frente Nacional, e Emmanuel Macron, do recém-criado Em Marcha! vão disputar, no dia 7 de maio, o segundo turno das eleições presidenciais francesas. O, vamos lá, clichê analítico está em toda parte: também na França as forças tradicionais teriam sido desalojadas em favor do “novo”, hostil à política.

Discordo! E direi os meus motivos. Antes, aos números. A apuração está encerrada enquanto escrevo. Eis os cinco concorrentes mais bem colocados:

  • Emmanuel Macron (Em Marcha!): 23,75%
  • Marine Le Pen (Frente Nacional): 21,53%
  • François Fillon (Republicanos): 19,91%
  • Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa): 19,64%
  • Benoît Hamon (Partido Socialista): 6,35%

Aí se tonitrua: pela primeira vez em seis décadas, os partidos Republicano e Socialista estão fora da disputa. Ao longo de 60 anos, ao menos um deles sempre esteve na final. Agora não. Mas será que isso significa mesmo a emergência de novas forças ou uma mudança de padrão? Pois é… Digo “não”.

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Tradição e filha do pai
Olhem aqui: poucas coisas são tão “tradicionalmente francesas”, para infelicidade da França, como a Frente Nacional, agora comandada por Marine Le Pen, uma verdadeira filha do pai: Jean-Marie Le Pen. E ponham tradição nisso. O partido é herdeiro intelectual do fascismo que fala a língua de Flaubert. Sua origem ideológica está nos colaboracionistas da República de Vichy, que fizeram na parte da França sob o seu domínio o que os nazistas fizeram na outra.

Para lembrar: a República de Vichy enviou 75 mil judeus para os campos de concentração sob o controle da Alemanha nazista. Só nos dias 16 e 17 de junho de 1942, foram 13 mil. Em 1995, Jacques Chirac, então presidente, reconheceu o papel criminoso da França nas deportações e pediu desculpas. Em 2012, Hollande admitiu que aqueles eventos foram “um crime cometido na França e pela França”. Marine Le Pen o contestou, afirmando que aquela parte do país não era comandada por franceses.

É claro que era. Mas sabem cumé… Ela é uma filha do pai.

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Entre os fundadores da Frente Nacional, em 1972, estão o colaboracionista — sim, entusiasta e contemporâneo de Vichy — Roland Gaucher, que foi condenado a cinco anos de prisão com o fim da Segunda Guerra, e Jacques Bompard, ex-membro da milícia paramilitar OAS, que apelou a ações terroristas na luta contra a independência da Argélia.

O que quero dizer com isso? Nacionalismo, chauvinismo (a palavra, diga-se, deriva das posições estupidamente patrióticas do soldado Nicolas Chauvin) e antissemitismo não são forças emergentes na França. Não! Tudo isso é coisa bem antiga. O país custa a admitir, mas isso está na sua história. Ou será que precisarei lembrar aqui o que se deu com Alfred Dreyfus?

Sim, é claro que eventos contemporâneos permitem a essa França mesquinha, rancorosa e ignorante a reciclagem de suas quinquilharias ideológicas: mais de 230 pessoas morreram em atentados terroristas praticados por extremistas islâmicos desde janeiro de 2015. O discurso tradicionalmente xenófobo da Frente Nacional encontra o terreno irrigado de sangue. A extrema direita nunca viu com bons olhos o internacionalismo a que conduz a globalização, culpando-a por eventuais dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores. Daí que Marine queira que a França deixe a União Europeia e, ora vejam, a Otan!

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Não há nada de exótico ou inexplicável no fato de ela estar no segundo turno. Trata-se de um fenômeno, mas na acepção primeira da palavra: algo perfeitamente explicável.

Macron
Emannuel Macron, ele sim, reúne algumas características que o fariam um outsider. Afinal, não pertence a nenhuma das duas grandes correntes políticas da França — republicanos e socialistas —, fundou há pouco um movimento, que pode ainda vir a ser um partido, o Em Marcha!, e jamais disputou um cargo público. Mais: deve se eleger o mais jovem presidente da história da França.

Mas será mesmo um outsider? Obviamente, não! Era membro do Partido Socialista. Foi o principal auxiliar de Hollande e ocupou depois o Ministério da Fazenda de Manuel Valls, então primeiro-ministro. Não é um neófito. Rompeu com os socialistas pela via, digamos, da direita, embora fale com sotaque de esquerda. Critica o excesso de corporativismo no país, a pletora de restrições impostas ao empresariado e o que considera perda de importância da França na Europa e no mundo. Atrai, com seu discurso, eleitores moderados da esquerda e da direita.

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De resto, convenhamos: o republicano François Fillon, dado o desempenho dos quatro primeiros, não fez feio, em terceiro lugar  (Republicanos): 19,91% — apenas 3,84 pontos atrás do líder e só 1,62 ponto menos do que Marine. Convenham: não fosse essa pequeníssima margem, o segundo turno seria disputado entre um republicano (força tradicional) e um egresso do Partido Socialista e do governo socialista.

Composições
As eleições legislativas ocorrem nos dias 11 e 18 de junho, quando já se saberá o nome do novo presidente da França. Será Macron, com folga. Seus auxiliares dizem que o Em Marcha! não fará composição com outros partidos. Quer antes esperar o resultado das urnas. A esperança, claro!, é que o novo presidente leve uma avalanche de votos para o Em Marcha!. As coisas não são bem assim. Nas eleições legislativas, o enraizamento das legendas conta muito mais do que na eleição presidencial.

De toda sorte, o direitista Fillon e o socialista Benoît Hamon, o candidato que contava com o apoio de Hollande e obteve apenas 6,35% dos votos, já declararam apoio a Macron. Mélenchon, uma espécie de Marine Le Pen da extrema esquerda, ainda não o fez. Criticou os dois vitoriosos e disse que vai consultar seus eleitores para saber o que fazer. Bem, meus caros, acho que aí já se revela o caráter do sujeito: estando Marine Le Pen de um lado da disputa, convenham: é muito difícil não escolher o outro se você não for uma besta rematada. Se Macron também fosse uma aberração ideológica, aí se poderia dizer: “Não há solução menos ruim”. Mas, evidentemente, não é o caso.

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Bem, com ou sem o apoio de Mélenchon a Macron, é quase certo que a maioria do seu eleitorado vai fugir de Marine Le Pen.

Por enquanto, na França, a melhor proteção contra a besta ainda é a besta.

Os franceses não precisam ter medo! Já os brasileiros…

Mas esse é outro assunto.

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