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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Manchete da Folha desta segunda desinforma, cria confusão e flerta com o absurdo

“A Execução de um Inocente”, de Bouts: vocês entenderão por quê Cada um faz, é claro, a matéria que quer ou dá ao jornal em que manda a manchete que acha melhor, aquela que atende ao perfil do seu consumidor — digo, do seu público leitor. Felizmente, é da democracia. A única força política relevante […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 23h28 - Publicado em 10 jul 2006, 07h51
“A Execução de um Inocente”, de Bouts: vocês entenderão por quê
Cada um faz, é claro, a matéria que quer ou dá ao jornal em que manda a manchete que acha melhor, aquela que atende ao perfil do seu consumidor — digo, do seu público leitor. Felizmente, é da democracia. A única força política relevante que tentou censurar a imprensa depois da redemocratização foi o PT, como sabemos. Ainda não conseguiu. Mas talvez chegue lá. Se houver realmente pensadores espertos por aquelas paragens, e eu acho que os há (ainda que não concorde com eles), nem precisam de instrumentos formais. A imprensa faz sozinha um estrago danado.

Matéria que serve de manchete à Folha desta segunda é um desses casos em que a falsa evidência serve à depredação da inteligência e da verdade. Segundo o jornal , “PT e PSDB dividem as alianças com mensaleiros”. Quem for assinante do jornal ou do UOL pode ler a matéria clicando aqui. É mais uma contribuição da Folha à tese de que todos os partidos e todos os políticos, no fundo, são iguais e de que o Brasil é assim há 500 anos — quem sabe desde o tempo da princesa Urraca…

Eis um juízo que, evidentemente, não faz justiça a desiguais dos dois extremos. Os decentes são prejudicados, e os indecentes, protegidos. Na média, quem ganha é o PT. Ricardo Berzoini não teria qualquer problema em assinar o texto. Nem Lula. Nem Márcio Thomaz Bastos. Desde que estourou o escândalo do mensalão, eles estão dizendo justamente isto: “somos todos iguais”.

Vamos ver. O que a matéria assinada por Fernando Rodrigues e Silvio Navarro chama de “mensaleiros”, designação que também vai parar na manchete, são os partidos que tiveram pessoas envolvidas com o chamado escândalo do “mensalão”. É uma inovação. Matéria e jornal dão um novo conteúdo ao termo e, assim, justificam o texto e a manchete. Até então, “mensaleiro” era o deputado ou senador que havia se envolvido no escândalo. Mesmo o PT, que teve presidente, secretário-geral e tesoureiro metidos na tramóia, era tratado como “partido que abriga mensaleiros”. A não ser assim, e sendo todos os membros do partido mensaleiros, só cabe e a Folha começar assim as suas frases quando se referir a Lula: “O mensaleiro Luiz Inácio…” Vai fazê-lo?

O que confere verossimilhança à reportagem? O fato de que tanto PT como PSDB se coligam, nos Estados, com PTB, PL e PP. Por qualquer razão estranha, não explicada, o PMDB, que teve seu então líder, José Borba (PR), envolvido até o pescoço no imbróglio, não aparece na lista. Ora, sabemos que o jornal considera o assunto importante. Tão importante que resolveu dar manchete — vá lá, a alternativa numa segunda magra, era o tetra da Itália, certamente notícia menos controversa.

Ora, a reação do leitor é mais do que previsível: a maioria tende a se indignar e a fazer um meneio com a cabeça: “Eta gentinha! Tá vendo? Depois falam do Lula!”. É evidente que o conjunto açula uma certa censura moral. E, para que assim não fosse, para que o processo político então tivesse preservada a pureza que a realidade dos fatos conspurca, forçoso seria que se reunissem, de um lado, “partidos sem-mensaleiros” e, de outro, “partidos com-mensaleiros”. Notável! Dado que, para a Folha, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e o deputado Roberto Brant (PFL-MG) são tão “mensaleiros” como João Paulo Cunha (PT-SP), o que também é falso, tais legendas estariam, sei lá, impedidas de se coligar entre si e ate consigo mesmas, para levar ao extremo o absurdo lógico.

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Uma aliança pura deveria, segundo esse critério, opor, de um lado, PPS, Prona e PDT (houve alguém do PDT? Acho que não…) e, de outro, vejam vocês, nada menos do que PT, PMDB, PP, PL, PTB, PFL, PSDB e a Mãe Joana. Seria, assim, uma espécie de aplicação política do critério de maluquice de Simão Bacamarte, d’O Alienista, de Machado de Assis. Trancaríamos todos os partidos na Casa Verdade e elegeríamos Enéas o nosso guia. Mensaleiro ele não é!

Com todo o respeito, a reportagem não existe. Nem a manchete. Jornalismo, a cada dia fica mais claro, não foi feito para educar ninguém. Mas também não precisa deseducar. De resto, aponto o preconceito: por que, então, dizer que “PT e PSDB dividem aliança com mensaleiros”? Quer dizer que “mensaleiros” são só os outros, os partidos de segunda linha? O PT também não é? E o PSDB (ao menos para o jornal)? A manchete correta, seguindo os termos do veículo, não os meus, deveria, então, ser: “Mensaleiros e mensaleiros dividem as alianças com mensaleiros”…

A única coisa relevante sobre o assunto noticiada neste fim de semana estava no Globo deste domingo (clique aqui), assinada por Soraya Aggege. Ali, sim, há notícia. Ela dá conta de que mensaleiros, os de verdade, aqueles que pegaram a grana, que meteram a mão na bufunfa, vão dividir palanque com o presidente Lula. Mais do que isso. Marco Aurélio Garcia, um capa-preta do PT, diz que não há constrangimento nenhum nisso; que constrangimento mesmo seria não ter voto.

Ah, ok, também eu poderia fazer aqui embaixadinhas pra galera e dizer: “Sabem? É todo mundo igual mesmo. Os mensaleiros estão em todos os lugares”. Não, não são todos os iguais. O PT é “mais igual” do que os outros não porque eu queira, não porque tal afirmação lustre os meus eventuais preconceitos. Mas porque só o PT tentou e tenta ainda montar um Estado paralelo, de que o mensalão é apenas um dos tentáculos.

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Insisto – a Folha não tem que prestar serviços a ninguém: aos leitores, ao Brasil ou ao processo político. Não tenho paciência para essa conversa mole sobre a contribuição da imprensa para a construção da cidadania etc e tal. Acho esse papo enjoado. No geral, essa bobajada não passa de uma das rubricas do marketing dos veículos de comunicação. É fato, no entanto, que as leituras políticas que eles fazem, a despeito de sua intenção — também não julgo intenções — colaboram com uma ou com outra estratégia dos atores políticos.

A manchete desta segunda da Folha dá uma inestimável contribuição ao PT. Se, por qualquer razão, o caso do mensalão vier à tona na campanha, a turma de Lula já pode exibir no horário eleitoral gratuito: “PT e PSDB dividem as alianças com mensaleiros”. E pronto. E Lula entrará em seguida para dizer, querem ver?, que “o PT errou, sim, ao fazer o que os outros partidos faziam”. Mas que, é óbvio, pretende não errar mais. Tudo, em suma, não teria passado da velha tramóia, da velha conspiração, para derrubar um presidente operário.

Os indignados com a política já têm do que se alimentar. A manchete que serve como uma luva à estratégia eleitoral do PT já pode integrar o grupo das “matérias isentas”. E o ombudsman já pode se orgulhar de que o jornal faz mesmo uma “cobertura equilibrada”. E, é claro, esta é uma questão que não vai parar nos sites de monitoramento da mídia. Eles também são isentos. Jornais costumam fazer tabelas contábeis de reportagens “contra”, “a favor” e “neutras”. como que administrando remédios que o leitor precisa tomar. Gostaria de saber em que categoria esta seria classificada.

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