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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Mais que um programa de TV : os papa-defuntos da ideologia

Quero falar um pouco ainda da entrevista de Alberto Carlos Almeida no Roda Viva de ontem e da reação do professor Francisco Alambert, o homem do complexo PUCUSP — formado na USP com doutorado na USP. Que se note: ele não foi o único a visivelmente discordar do entrevistado. Claudio Weber Abramo, diretor executivo da […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h13 - Publicado em 28 ago 2007, 15h25
Quero falar um pouco ainda da entrevista de Alberto Carlos Almeida no Roda Viva de ontem e da reação do professor Francisco Alambert, o homem do complexo PUCUSP — formado na USP com doutorado na USP. Que se note: ele não foi o único a visivelmente discordar do entrevistado. Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, e Alon Feuerwerker, editor de política do jornal Correio Braziliense, também faziam o contraponto.

Ocorre que uma coisa é discordar, debatendo na planície e propondo, enfim questões quase sempre pertinentes, como estes dois faziam; outra é se negar a ouvir o que diz o entrevistado, como se ele fosse um agente do “Mal” no centro do Roda Viva. Ah, sim. Gostei de ver um não-esquerdista no programa com uma bancada majoritariamente de esquerda. Dá clima. Aguarda-se a entrevista de um esquerdista, agora, com uma bancada que não seja de esquerda (notem que nem usei a expressão “de direita”). Voltando ao ponto.

Almeida levava uma novidade ao programa: a educação torna as pessoas mais tolerantes com as diferenças individuais e menos tolerantes com os desmandos oficiais. Mas como? “E a luta de craçe?” Digam-me: no dia em que a “luta de craçe” não servir mais como redutor do pensamento acadêmico brasileiro, que diabos a PUCUSP vai fazer? Como é que ele vai continuar, na sua irrelevância monstruosa, a sonhar que podem tutelar o povo?

Almeida tirava da esquerda, com uma simples pesquisa, uma suposição que, ATENÇÃO!, NEM MESMO MARXISTA É: a de que o povo tem uma espécie de saber natural, forjado na luta, que é moralmente superior à cultura política das elites. Marx daria um pé no traseiro de Alambert. O barbudo furunculoso tinha um desprezo solene pelo “povo”, a menos que ele estivesse politicamente orientado pela luta comunista — e o mesmo vale para os outros grandes “heróis” da esquerda. Lênin, por exemplo, tinha um remédio para o lúmpen incapaz de fazer a revolução: bala. Por que vocês acham que o comunismo sempre matou aos milhões, com a cumplicidade dos intelectuais de esquerda? Porque se estava construindo o novo homem, ora essa! Coisa do stalinismo? Com Trotsky seria diferente? Perguntem aos marinheiros e à população de Kronstadt, massacrados por Lênin e Trotsky em março de 1921. Estima-se a morte de 12 mil pessoas. Foram feitos prisioneiros 2.500 marinheiros, depois executados ou mortos.

O que os revoltosos queriam? O fim da revolução? Nem tanto. Tinham uma plataforma impossível para um regime de esquerda, assim resumida por Henri Arvon (A Revolta de Kronstadt, Editora Brasiliense):

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1) proceder imediatamente a reeleição dos sovietes pelo voto secreto. A campanha eleitoral entre operários e camponeses deverá desenrolar-se com plena liberdade de palavra e ação;

2º) Estabelecer a liberdade de palavra e de imprensa para todos os operários e camponeses, para anarquistas e partidos socialistas de esquerda;

3º) Conceder liberdade de reunião aos sindicatos e às organizações camponesas;

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4º) Convocar por fora dos partidos políticos uma Conferência dos operários, soldados vermelhos e marinheiros de Petrogrado, de Kronstadt e da província de Petrogrado para 10 de março de 1921, o mais tardar;

5º) Libertar todos os prisioneiros políticos socialistas e também todos os operários, camponeses, soldados vermelhos e marinheiros presos em conseqüência dos movimentos operários e camponeses;

6º) Eleger uma comissão com o fim de examinar o caso daqueles que se encontram nas prisões e campos de concentração;

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7º) Abolir os “oficiais políticos”, pois nenhum partido político deve ter privilégios para a propaganda de suas idéias, nem receber do Estado meios pecuniários para esse fim. Deve-se instituir em seu lugar comissões de educação e cultura, eleitas em cada localidade e financiadas pelo governo;

8º) Abolir imediatamente todas as barreiras;

9º) Uniformizar as rações para todos os trabalhadores, exceto para aqueles que exercem profissões perigosas para a saúde;

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10º) Abolir os destacamentos comunistas de choque em todas as unidades do exército, assim como a guarda comunista nas fábricas e usinas. Em caso de necessidade, esses corpos de guarda poderão ser designados no exército pelas companhias e nas usinas e fábricas pelos próprios operários;

11º) Conceder aos camponeses plena liberdade de ação no que concerne a suas terras e também o direito de possuir gado, com a condição de que eles mesmos executem suas tarefas, isto é, sem recorrer ao trabalho assalariado;

12º) designar uma comissão ambulante de controle;

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13º) Autorizar o livre exercício do artesanato, sem emprego de trabalho assalariado;

14º) Pedimos a todas as unidades do exército e também aos camarada kursanty militares que se juntem à nossa resolução;

15º) Exigimos que todas as nossas resoluções sejam largamente publicadas pela imprensa.

Lênin e Trotsky perceberam o óbvio: embora os kronstadtianos não pedissem o fim do bolchevismo e nem se quisessem, vá lá, contra-revolucionários, na prática, eles o eram. Alimentavam a tola ilusão de que um regime autenticamente de esquerda possa conviver com uma plataforma democrática. Lênin sempre soube que isso era impossível. Notem bem: não há experiência histórica nem base teórica — a não ser que se escolha o caminho da mentira factual e da negação dos textos que servem de guia à teses de esquerda — que justifiquem a convivência entre a democracia e o socialismo, ainda a religião de boa parte dos acadêmicos do Complexo PUCUSP.

Lênin, como sempre, deu a palavra definitiva sobre Kronstadt e sobre como a esquerda trata a divergência: “Temos gasto muito tempo em discussões e tenho que dizer que agora é muitíssimo melhor ‘discutir com fuzis’ que com teses de oposição. Não necessitamos de oposições, camaradas! Não é o momento disso. Deste lado ou do outro – com um fuzil, não com oposição.” (A Revolução Bolchevique, de E. H. Carr).

Muitos dirão: “Ah, Reinaldo, é muita bala para um assunto quase irrelevante”.Não é, não! É preciso evocar o credo profundo dessa gente para entender o seu comportamento. Ele é pautado por um ódio que remonta ao começo do século passado: o ódio à democracia, que, com efeito, ainda é o melhor remédio contra as vocações totalitárias e dirigistas. É nauseante o olhar supostamente superior de esquerdistas quando confrontados com alguém que consideram seu adversário ideológico. Quem os vir não dirá que estão pontificando sobre a maior montanha de cadáveres que a humanidade já produziu. E tudo porque, vejam só, “eles” se consideram mais humanistas do que nós. Comigo não. Jamais esquecerei que sua grande arte é produzir mortos, só superada pela habilidade em escondê-los da história.

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