É chato ter de dizer, mas digo: se TSE seguir a lei, partido de Marina não pode obter o registro
Às vezes, dá vontade de pular certos temas, deixar pra lá. Até eu, de vez em quando, fico um pouco cansado de enfrentar as turbas — mas não se animem os brucutus, porque isso logo passa. Ora é a turba dos petralhas, com seu incrível arsenal de violências retóricas e baixarias; ora é a turba […]
Às vezes, dá vontade de pular certos temas, deixar pra lá. Até eu, de vez em quando, fico um pouco cansado de enfrentar as turbas — mas não se animem os brucutus, porque isso logo passa. Ora é a turba dos petralhas, com seu incrível arsenal de violências retóricas e baixarias; ora é a turba das “pessoas boas” — que, por alguma estranha razão, estão certas de que aquele de que discordam é apenas um homem mau; ora é a turba dos adversários da razão e da lógica, que acreditam que o pensamento racional existe apenas para sabotar os sonhos dos que, como disse o poeta, estreitam no peito mais humanidades do que Cristo. Mas eu logo me canso do meu cansaço e volto à baila. O tema da hora é o partido de Marina Silva, a Rede. O que dirá o TSE? Pois é…
Discordando de praticamente tudo o que diz Marina Silva — e isso quando consigo entender o que ela fala —, preferiria que ela se candidatasse. Sem a ex-senadora na disputa, vislumbro uma chance nada desprezível — desde que constante o ritmo em que as coisas se apresentam — de a disputa se resolver no primeiro turno. Assim, os eventuais adversários de Dilma deveriam torcer para que a resposta do TSE seja positiva para as postulações da Rede. Ocorre que…
Ocorre que, desde que este blog existe, sempre faço uma distinção — e esse tipo de veículo permite que se operem essas duas categorias — entre a enorme realidade e o que quero. Trato, como quase toda gente que escreve sobre política, de algumas utopias e prefigurações. Mas me pretendo, não obstante, de um realismo que chega a ser cru. Infelizmente, resta-me dizer o seguinte: se o Tribunal Superior Eleitoral seguir a lei — e não vejo como possa fazer diferente sem flertar com riscos maiores —, não há como dizer “sim” ao partido de Marina. A razão é simples: os organizadores da legenda não cumpriram a lei. E se afigura uma desculpa fácil, simplória até, jogar a culpa nas costas dos cartórios eleitorais. O fato é que o partido não apresentou o número necessário de assinaturas válidas.
Marina esteve nesta terça em Brasília. Chegou a improvisar uma espécie de comício para 40 pessoas. Qual é a argumentação jurídica da Rede? Além da desconfiança sobre a qualidade do trabalho de checagem das assinaturas, nenhuma! Resta no ar uma suspeita de conspiração que, convenhamos, é difícil de engolir. Supor uma tramoia que envolveria uma penca de gente, sem que isso viesse a público, francamente, é um troço meio delirante. “Ah, mas o sistema de conferência das assinaturas é primitivo a mais não poder…” Pode ser. Mas é o que existe, e é com essa realidade que lidaram as outras legendas.
Em seu minicomício, Marina afirmou: “Eu estou mais preocupada em não amesquinharmos a democracia. Porque a democracia plena é a que assegura o pluralismo político”. Há um certo sotaque missionário nisso que não é bom. Inexiste legitimidade democrática com desprezo às leis democraticamente estabelecidas. O confronto entre o legal e o legítimo não cabe no caso. Resta a impressão de que Marina quer que seu partido estreie na vida pública já ancorado num juízo de exceção. Por alguma razão, o TSE estaria moralmente obrigado a considerar legal a sua legenda. Por quê? Só porque ela é Marina Silva? Aí não é possível.
O TSE é a instância superior e máxima de que os cartórios eleitorais e os tribunais regionais são a capilaridade. Fico aqui a me perguntar com que argumento os ministros acatariam, então, as 52 mil assinaturas, deslegitimando, sem motivo conhecido — eu, ao menos, não conheço — o trabalho que se fez. Resta a pergunta: por que se deveria abrir uma exceção para Marina?
“Porque há milhões de pessoas que querem votar nela…” Pode ser que haja. Mas uma democracia supõe caminhos institucionais. Ou bem são respeitados, ou cada um de nós cumpre as leis de que gosta, ignora as de que não gosta e se impõe pela força. De resto, vamos convir: não era para Marina estar a depender da validação de 52 mil assinaturas. Se a Rede é mesmo essa potência, haveria lá um milhão delas. Se metade fosse desqualificada, a outra metade ainda daria ao partido uma folga. Mas cadê?
Marina parece um bom exemplo da distância que pode existir entre o mundo virtual e o mundo real. Queridinha dos descolados, uma espécie de ícone de certa “intelligentsia”, ela consegue mobilizar celebridades e popularizar a sua causa. Há vários vídeos de famosos cobrando que a Justiça Eleitoral diga “sim” a seu partido. É evidente que, em si, não há mal nenhum nisso. Mas não me parece que a Justiça Eleitoral deva deixar a lei de lado para atender ao clamor dos artistas.
Se a Rede não obtiver seu registro, resta a Marina, caso queira ser candidata, ligar-se a outro partido. Os mais fanáticos de sua causa se opõem a essa opção, de olho já em 2018. Restará no ar a suspeita de que foi tirada da disputa por alguma forma de tramoia palaciana, embora, é preciso que fique claro, não se tenha essa evidência. A síntese é esta: para o PT, com efeito, o melhor é que Marina não dispute. Mas isso não é o bastante para que eu cobre que o TSE ignore os óbices legais. De resto, chega a ser ridículo que alguém com o trânsito que tem Marina na imprensa e nas redes sociais esteja enfrentando esse problema. Ainda que queira manter a sua etérea cabeça nas nuvens, conviria que mantivesse ao menos os pés do chão. De quem pretende presidir o Brasil, é o mínimo que se exige.