A vitória dessa tal “mídia”
Vocês podem imaginar o que aconteceu assim que o Senado decidiu manter o mandato do senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Houve uma revoada de petralhas para cá, a maioria colando um texto de um dos anões do jornalismo em que ele decreta que a vitória de Renan é a derrota da mídia — especialmente de VEJA, […]
Aliás, justiça seja feita, antes deles, quem escreveu um texto a respeito foi Octávio Ianni, já morto, expoente da sociologia de esquerda. Ianni chamava o “partido da mídia” de “Príncipe Eletrônico”, numa referência a Gramsci. Seu delírio consistia em ver nos meios de comunicação a versão, digamos, de direita do que o teórico comunista imaginava para um partido de esquerda.
Como a tal “mídia” não existe — e só uma teoria conspiratória de larápios —, é evidente que nem ganha nem perde o que nem tem um corpo definido ou um conjunto de interesses a defender. Mas, de fato, há os vitoriosos. Vencem, numa esfera miúda, contingente, os métodos que Renan Calheiros usa para fazer política. Nesse episódio, o Senado tem a clareza de suas explicações, o amor à legalidade de suas notas frias, o rigor de sua aritmética perturbada. Mas são, insisto, vitórias mesquinhas. A questão é bem outra.
O PT transformou o que é uma apuração objetiva de crimes cometidos contra a República e contra o mandato popular numa luta contra a imprensa, tornada, cada vez mais, inimiga do poder. Claro, há as exceções, os áulicos de sempre, até dentro dos veículos sérios. É há os pequenos palhaços assalariados, uma escória surgida junto com o governo petista. Revestem com pitadas de ideologia o que é uma variante do roub, assaltando, a um só tempo, o erário e a teoria política. Não são apenas beneficiários da malandragem; são também seus protagonistas, embora menores.
Eu estou chateado com o resultado? Claro que sim. Decepcionado? Um tanto. Surpreso? Não. Nas contas que fiz ontem, faltavam dois votos para cassar Renan. Eles não vieram — e quatro outros desertaram, com alguns se escondendo na abstenção. Imaginem só: abstenção em voto secreto! São aqueles que se acovardam até diante da própria consciência.
Ao contrário do que pregam os anões morais, a imprensa tem sido e continuará a ser vitoriosa nesse processo. Observem como emprego os verbos. Não estamos numa conta de chegada; não há um objetivo a ser alcançado. É mais do que compreensível que uma parte do Senado tenha decidido se fechar em defesa de Renan Calheiros: afinal, como deixou claro o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), num discurso notavelmente cínico, os valentes estão defendendo a si mesmos. O que sei é que o jornalismo não vai se intimidar — e o próprio Renan continuará a ser personagem não do que os repórteres inventam, mas de sua própria e escandalosa biografia. E o mesmo vale para o petismo.
Lamento — isto sim — que uma parte da opinião pública possa ser tomada por certa apatia, afirmando um “não adianta; eles sempre se safam”, desistindo, então, da política como uma forma civilizada de resolução de conflitos. Isso, de fato, é ruim. O resto, meus caros, é do jogo. Eu mesmo alertei aqui há dias para a atuação dos petistas, votando contra Renan no Conselho de Ética e pedindo sessão aberta. Era só uma embaixadinha pra torcida. Como a disputa se acirrou na reta final, o presidente do Senado jogou a conta em cima do balcão, e só restou ao PT arcar com seus débitos.
O petismo é uma construção muito mais perigosa do que parece. A absolvição de Renan expõe, ainda outra vez, a real natureza do partido. E a parte do jornalismo que atua com desassombro, com amor apenas à notícia, evidenciou-o de forma insofismável. O lambe-botas do Planalto, como sempre, está errado. A mídia venceu.