A disputa de 2014 e o que diz um analista. Ou: A opinião que ignora ou distorce os fatos não passa de mera torcida — na melhor das hipóteses. Ou ainda: Segundo os números, desempenho do PSDB unido é ainda pior do que dividido
As pessoas podem dizer: “Odeio marrom; é uma cor feia”. Trata-se de uma opinião. Nas democracias, ela é livre. Cada um tem a sua. Agora atentem para esta frase: “Lindo este céu sem nuvens! É de um marrom cintilante!”. Não cabe questionar o emissor sobre a primeira parte da mensagem — é opinião. Já a […]
As pessoas podem dizer: “Odeio marrom; é uma cor feia”. Trata-se de uma opinião. Nas democracias, ela é livre. Cada um tem a sua. Agora atentem para esta frase: “Lindo este céu sem nuvens! É de um marrom cintilante!”. Não cabe questionar o emissor sobre a primeira parte da mensagem — é opinião. Já a segunda traduz, quando menos, um problema de percepção. Sem nuvens, o céu se mostra azul. A opinião é livre, sim, mas não é discricionária. No Estadão de hoje, José Roberto de Toledo escreve texto opinando sobre a pesquisa Datafolha. Ok. Fale o que quiser. Mas decidiu chamar o azul de marrom. Aí cabe correção objetiva.
Vamos ver. Numa abordagem obviamente hostil a Serra, o que é rotineiro nos textos isentos de Toledo (opinião é opinião…), escreve:
“Emissários de José Serra fizeram gestões junto aos institutos de pesquisa para incluir o nome do ex-governador nas sondagens de intenção de voto, apesar de o PSDB já ter, teoricamente, escolhido Aécio como candidato.”
Eu não sei, talvez ele saiba, o que quer dizer “teoricamente escolhido”. A “escolha teórica” seria aquela que ainda não foi, mas que será feita? A “escolha teórica” seria aquela que ainda não se deu de fato, de sorte que, nesse caso, realidade e teoria, numa nova e surpreendente revolução científica, se oponham? Ou “realidade teórica” é aquela que corresponde às expectativas e desejos de quem escreve? Não sei se as tais gestões existiram. Caso tenham acontecido, isso me parece mais do que justificável. Se o Datafolha testa três cenários com o nome de Joaquim Barbosa, por exemplo — que não será candidato nem na teoria nem no fato —, haveria de explicar por que excluir o nome de Serra. Afinal, a) ele jamais declarou que não vai disputar; b) o PSDB ainda não definiu o seu candidato, a não ser naquele plano que Toledo chama “teórico”. Sigamos com seu texto. Agora vem um trecho que é mesmo do balacobaco.
“Quando as gestões foram feitas ainda não havia estourado o escândalo da formação de cartel e pagamento de propina envolvendo metrô e trens urbanos paulistas. Resultado da pesquisa: o lançamento simultâneo de Aécio e Serra (caso este saia do PSDB para disputar a Presidência por outra sigla) seria um abraço de afogados. Um tiraria votos do outro, submergindo as chances dos dois de chegar ao segundo turno.”
Quanto azul tornando marrom num trecho tão curto! Vamos ver:
1: as notícias sobre o suposto cartel, ainda que possam ser potencialmente ruins para todo o PSDB, foram arquitetadas para atingir o partido em São Paulo. Os que manipulam os vazamentos estão interessados é na disputa estadual;
2: supondo que impactaram a pesquisa, deveriam, pela lógica, ter atingido mais Serra do que Aécio. Não obstante:
a) nos cenários em que ambos aparecem como candidatos de partidos diferentes, o paulista está numericamente à frente do mineiro: 14% a 10% quando Dilma é candidata (e sem Joaquim Barbosa); 9% a 8% quando Lula é candidato, com Joaquim Barbosa.
b) para que a hipótese tolediana se justificasse, seria forçoso que, mesmo nesses cenários, Serra estivesse atrás de Aécio.
c) mais importante: como o nome de Serra foi incluído no levantamento com óbvia má vontade, o Datafolha, de maneira injustificada, deixou de testar um cenário, plausível ao menos, em que seria ele o candidato tucano. Ele chega a aparecer, sim, como o nome do partido, mas junto com o de Joaquim Barbosa, que não vai disputar. Vamos ver? Este é o cenário que a imprensa considera o mais provável. Reparem:
CENÁRIO 1
Dilma – vai de 30% para 35%
Marina – vai de 23% para 26%
Aécio – cai de 17% para 13%
Campos – vai de 7% para 8%
Como se nota acima, não está aí a suposição aloprada de que Joaquim Barbosa possa se candidatar. Pergunta-se a Toledo: o caso dos trens terá tido aí algum impacto? É preciso responder a essa pergunta.
O Datafolha poderia ter feito o óbvio, o tecnicamente correto — já que não cabe ao instituto adivinhar o que vai fazer o PSDB, certo? Deveria simplesmente ter testado esse mesmo cenário com o nome de Serra. Não o fez. Mas optou por isto aqui, que chega a cheirar a provocação:
CENÁRIO 6 – Serra como candidato tucano, mas com Barbosa
Dilma – 32%
Marina – 21%
Serra – 15%
Joaquim Barbosa – 11%
Campos – 5%
Epa! Nesse caso, Serra aparece como o candidato tucano, sim, só que o ministro do Supremo também disputaria. Estou enganado, ou Serra, com Barbosa, tem um desempenho superior a Aécio sem Barbosa? Como justificar, diante dos números, aquela conversa de Toledo sobre os trens? Pergunta-se ao opinador: por que a denúncia do suposto cartel teria impactado menos a candidatura de Serra do que na de Aécio, hein? Também é preciso responder a essa pergunta.
Abraço de afogados?
Toledo chama de “abraço de afogados” a possibilidade de que Aécio e Serra venham a disputar a eleição por partidos distintos. Suponho que esteja se referindo à divisão de votos e coisa e tal. Mas então voltemos de novo ao Cenário 1, que Toledo e boa parte da imprensa consideram o mais plausível:
CENÁRIO 1
Dilma – vai de 30% para 35%
Marina – vai de 23% para 26%
Aécio – cai de 17% para 13%
Campos – vai de 7% para 8%
Como se nota, Aécio está com 13%. Vamos republicar o aloprado Cenário 6, em que Serra é o candidato tucano, mas com Barbosa:
CENÁRIO 6 – Serra como candidato tucano, mas com Barbosa
Dilma – 32%
Marina – 21%
Serra – 15%
Joaquim Barbosa – 11%
Campos – 5%
O tucano paulista aparece aí com 15%. Toledo há de admitir que Aécio não precisa da candidatura de Serra para se afogar. Faltasse argumento, há outro que desmoraliza a análise. É o Cenário 5. Vejam:
CENÁRIO 5
Dilma – 32%
Marina – 23%
Serra – 14%
Aécio – 10%
Campos – 6%
Como se nota acima, mesmo disputando com Aécio, Serra (14%) consegue um desempenho numericamente superior ao do tucano mineiro (13%) quando disputa sozinho. Nem um nem outro, nas hipóteses testadas, têm um desempenho brilhante, mas a tese do “abraço de afogados” é desmoralizada pelos números.
Toledo tem o direito de não gostar de Serra e de achar que ele não deve ser candidato. Mas não tem o direito de torcer os fatos e de chamar isso de opinião ou de análise. Tem o direto de achar que o tucano paulista não pode disputar a eleição, mas não tem o direito de acusá-lo de dividir os tucanos quando Aécio, sozinho, consegue ter um desempenho pior do que o do próprio Serra quando os dois são candidatos.
Encerrando…
“Ah, o Reinaldo, que é serrista, está querendo que seja o seu candidato o nome do PSDB…” Cada um diga o que quiser. A minha suposta ou real preferência não tem importância. Quero que digam onde estão os furos da minha análise — apontei onde estão os da análise de Toledo.
Com Serra ou Aécio, gostaria que o PSDB vencesse, sim, a disputa — e ninguém tem o direito de duvidar disso. Acho que a derrota do PT seria positiva para a democracia e considero, como diria Camões, que Marina Silva é um caso de “dano maior do que o perigo”. Dado esse contexto, estou, no entanto, pessimista. Do jeito como estão as coisas, o PSDB não precisa nem se dividir para perder a eleição. É bem provável que seja até mais fácil garantir a vitória de Dilma estando… unido! Unido à moda tucana! Ou não é isso que estão a mostrar os números. Ou o PSDB volta à prancheta ou já pode começar a cuidar das divisões de… 2018. Acreditem: já dá para antecipá-las.