A campanha do Boticário e os gays. Cuidado! Nem tudo o que é reacionário costuma parecer reacionário!
Quando um publicitário decide fazer uma peça de propaganda sobre uma marca popular, no veículo de comunicação com mais penetração nos lares brasileiros, mostrando cenas de relacionamento gay, vamos ser claros: ele está querendo, como diz a meninada, “causar”. E causou. Refiro-me, como já deve ter ficado claro, à campanha do Boticário. Houve a reação […]
Quando um publicitário decide fazer uma peça de propaganda sobre uma marca popular, no veículo de comunicação com mais penetração nos lares brasileiros, mostrando cenas de relacionamento gay, vamos ser claros: ele está querendo, como diz a meninada, “causar”. E causou. Refiro-me, como já deve ter ficado claro, à campanha do Boticário. Houve a reação daqueles que se sentiram incomodados. Em vez de fazer como esquerdistas e black blocs, que costumam contar com a simpatia de jornalistas, e sair quebrando tudo por aí, os inconformados resolveram apelar ao Conar. O que há de errado nisso?
É evidente que a reclamação não dará em nada. Até porque os relacionamentos homos e héteros ali retratados são bastante pudicos. Pessoalmente, acho uma perda de tempo e uma bobagem se incomodar com isso. Gays existem, e é lógico que tenham a devida visibilidade. Formam um mercado consumidor apreciável, e não faz sentido, também comercial, ignorar esse público. Mais: é preciso parar com a tolice, que desafia qualquer saber firmado a respeito, de que esse tipo de mensagem incentiva a prática homossexual. Quem faz tal raciocínio teria de admitir que a esmagadora maioria de héteros no mundo também decorre do efeito-propaganda, o que é uma tolice até contra a biologia e a sobrevivência das espécies. A publicidade não torna gay o hétero nem hétero o gay.
O que nos torna a todos mais burros é a intolerância. Venha de onde vier.
É claro que a propaganda do Boticário está se beneficiando do bochicho. Se não contasse com isso, a agência não teria feito a peça que fez. Os que planejaram a campanha esperavam ter como aliados os que agora se mobilizam contra ela. Foi a reação negativa que provocou a onda de solidariedade. E pronto! Está criado um “case”. É quase tudo o que pode querer um publicitário. Se vai vender mais produtos do que venderia uma abordagem convencional, aí não sei.
Acho a reação à propaganda um exagero? Acho! Mas vamos com calma! Certas críticas que leio àqueles que protestaram são apenas inaceitáveis porque agridem o fundamento da liberdade de expressão. Ora, as pessoas têm o direito de não gostar daquilo que veem. Não gostando, têm também o direito de se expressar.
A liberdade de expressão, como já disse aquela, é e será sempre a liberdade dos que discordam de nós. Ou alguém precisa ser livre para dizer “sim”?
Eu considero a igualdade de direitos diante da lei um bem em si e entendo que as pessoas civilizadas devam lutar para que seja um bem universal. É por isso que não sou um relativista. Mas essa igualdade também abriga a liberdade de as pessoas deixarem claro o que as desagrada, especialmente quando se atua na esfera dos valores.
Se não for assim, meus caros, em breve aparecerá alguém sugerindo — na verdade, vive aparecendo, não é? — a criação de uma espécie de Comitê de Salvação Nacional para a Defesa da Igualdade, atribuindo-se a tarefa de calar a boca de todos aqueles que supostamente estariam contra a dita-cuja.
Algo parecido aconteceu na França entre 1792 e 1794. Cortou milhares de cabeças. O Boticário tem o direito de fazer campanhas publicitárias de homem com homem e mulher com mulher? Tem. Isso me incomoda? Abaixo de zero! Há quem se incomode? Há! Nos limites da democracia e da civilidade — e não os vi sendo transgredidos até agora —, têm o direito de se manifestar. Questionar esse direito é só uma prática autoritária exercida em nome das luzes.
Isso nunca deu certo.
Cuidado! Nem tudo o que é reacionário parecer ser… reacionário!