Governo Bolsonaro agora quer saber como globais decoram textos de novelas
Em nova investida contra artistas, Receita Federal pede detalhamento sobre 'recebimentos de texto, memorizações de falas, ensaios...'
O Radar revelou há três semanas a operação montada pela Receita Federal para devassar os contratos da Globo Comunicação e Participações S/A com celebridades da TV e do cinema brasileiro.
Depois de exigir da emissora a cópia dos contratos e notas fiscais de serviços prestados por artistas, o Fisco do governo de Jair Bolsonaro passou a notificar os globais a prestarem esclarecimentos sobre a opção pelo contrato de pessoa jurídica, o famoso PJ, em vez do vínculo CLT com a Globo. Para o Fisco, o arranjo ator-emissora configuraria fraude na “relação de emprego”.
Agora, para provar essa teoria, a Receita decidiu avançar no próprio campo da arte. Em uma nova notificação contra os globais, o leão abre prazo de 20 dias e ordena a um ator global que descreva “detalhadamente como é feita a prestação de serviços de ator, desde o momento do convite para a realização de determinado trabalho, recebimentos de texto, memorizações de falas, ensaios, etc”.
A Receita também lista uma série de notas fiscais de serviços prestados à emissora em 2016 e manda o artista detalhar os serviços prestados e “fazer a devida correlação destes com a cláusula contratual que previa o pagamento”, além de “relacionar todas as obras audiovisuais e projetos artísticos dos quais tenha participado no âmbito do contrato” com a Globo.
O Radar já mostrou que pelo menos 30 celebridades globais, como Deborah Secco e Reynaldo Gianecchini, estão na mira da Receita por causa dos contratos com a emissora, depois da chegada de Bolsonaro ao Planalto. Para o advogado Leonardo Antonelli, que defende os globais, a ação do Fisco tem objetivo de punir os artistas para “destruir a Globo”, inimiga de Bolsonaro. Para o advogado, a Receita não pode mudar critérios jurídicos de atuação em função da troca de comando político no Palácio do Planalto.
“Existe lei federal proibindo que a mudança do comando da Receita Federal possa alterar os critérios jurídicos que, desde sempre, vinham sendo aceitos pelo fisco: seja porque é vedado retroagir com base nesse fundamento, seja porque em matéria de infração se deve interpretar da maneira mais favorável ao contribuinte”, diz.
A ação da Receita contra os artistas já provocou a reação de órgãos de controle. Procurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado pediu ao tribunal a abertura de investigação contra o Fisco por possível perseguição política contra a empresa, tratada por Bolsonaro como inimiga.
Diante da nova intimação, Antonelli lembra que a secretária de Cultura escolhida por Bolsonaro, a atriz Regina Duarte, também tinha contrato com a Globo. “Tratando os artistas assim, imagino como a Receita lidará com a nova secretária de Cultura, que recebeu por décadas como PJ na Globo”, diz.