A propina de Paulinho – parte 1 – O acerto em Barretos
O Radar teve acesso a centenas de páginas do processo sigiloso que tramita contra o deputado na Justiça
Tudo começou numa manhã alegre em Barretos, no interior de São Paulo. Naquele fim de semana de 30 de agosto de 2014, uma das maiores festas sertanejas do país, a Festa do Peão, receberia milhares de pessoas no famoso “Barretão”.
Em um dos hotéis de luxo da cidade, o empresário Leandro Aparecido da Silva Anastácio foi chamado logo cedo para uma conversa com um amigo de longa data do sindicalismo e da política, o presidente da Força Sindical e cacique do partido Solidariedade, Paulinho da Força.
Ao chegar à mesa do café, Leandro Aparecido viu Paulinho e outra figura ilustre naqueles dias, o diretor de relações institucionais do grupo J&F, Ricardo Saud. A presença do alto executivo não chegou a soar estranha para o empresário, ele próprio prestador de serviços em uma das empresas do grupo, a planta do frigorífico da JBS em Barretos.
Depois de algumas amenidades, a conversa do trio migrou para a política nacional e a dificuldade que o então presidenciável do PSDB, Aécio Neves, enfrentava naqueles dias para decolar nas pesquisas de intenção de voto. Ricardo e Paulinho aproveitaram o tema para falar sobre o “apoio” que a JBS estava dando a partidos políticos para “incentivar” as siglas que estavam na chapa do tucano.
Saud explicou ao empresário, na frente de Paulinho, que havia prometido ao deputado repassar “uma determinada quantia” ao Solidariedade, mas o dinheiro “não poderia ser contabilizado para não criar ciúmes com outros partidos”. Leandro Aparecido ouvia intrigado a conversa, até que Saud chegou ao ponto em que o motivo do encontro e aquele papo todo sobre política nacional começou a fazer sentido.
Saud disse que a JBS estava repassando dinheiro a partidos, uma parte por dentro e outra parte via caixa dois, e que estava procurando “parceiros da empresa” para viabilizar o repasse. Como Leandro Aparecido era amigo de Paulinho dos tempos de movimento sindical e prestador de serviços da JBS, ele se encaixaria no perfil para ajudar na transação.
Com promessas de ampliar a influência junto à empresa — ao atender um pedido de Joesley, como Saud disse — e diante do apelo de Paulinho, o empresário topou emitir uma nota fiscal fria da sua empresa, a Nando’s Transportes, no valor de 3 milhões de reais. Para justificar o dinheiro, o empresário simulou o aluguel de 40 ônibus de transporte de passageiros para a JBS.
Tudo certo, no fim da conversa ficou combinado que o empresário negociaria o “novo contrato” por e-mail na semana seguinte. Dias depois, porém, o dinheiro não havia caído e Paulinho, segundo o empresário, pareceu impaciente. “Olha, já foi feito o pagamento?”, questionou o deputado. “Não, mas eu cobro o Ricardo”, disse Leandro Aparecido.
Cobrança feita – e devidamente documentada por e-mails –, a grana da JBS — os 3 milhões de reais — caiu na conta do empresário, que começaria aí a sua saga como uma espécie de gerente da conta propina de Paulinho.
Uma rotina que terminaria revelada na delação de Joesley Batista e que levaria o próprio Leandro Aparecido a delatar. O depoimento do empresário, obtido pelo Radar, acompanhado de cópias de contratos forjados, notas frias, extratos bancários, relações de cheques, recibos de depósito, mensagens de celular e até recibos de pedágio das entregas de propina integram um conjunto devastador de provas contra o cacique do Solidariedade.
Um material que mostra como Paulinho, além de negociar o repasse de dinheiro sujo via caixa dois para campanha de 2014, acabou desviando o dinheiro do partido para abastecer os próprios bolsos.
A propina de Paulinho — parte 2 — 500.000 reais na conta da filha
A propina de Paulinho — parte 3 — O sonho da casa própria
A propina de Paulinho — parte 4 — Dinheiro vivo na sede do partido