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Tudo mudou (por André Gustavo Stumpf)

A ocasião fez o líder

Por André Gustavo Stumpf
Atualizado em 30 jul 2020, 19h00 - Publicado em 20 abr 2020, 10h00

De tempos em tempos as sociedades são sacudidas por violentos eventos naturais. De repente, o tempo muda de maneira dramática, uma epidemia mata milhares de pessoas ou se rompe uma placa tectônica, de que resulta terremoto, maremoto e incêndio. Isto aconteceu às 09h40 do Dia de Finados, 1º de novembro de 1755, quando a terra tremeu e sacudiu Lisboa. As águas invadiram a parte baixa da cidade e os incêndios duraram seis dias.

A tragédia produziu um líder, um novo homem forte na política portuguesa: Sebastião José de Carvalho e Mello, o duque de Oeiras, depois Marques de Pombal.  Ele com poucas palavras reduziu seu plano de enfrentamento do gigantesco problema que tinha pela frente. ‘Enterrar os mortos e alimentar os vivos’. Assim foi feito. Providenciou severas medidas de segurança para julgar e punir, até com pena de morte, salteadores, ladrões e desordeiros. Também fechou a cidade para impedir que pessoas indesejáveis entrassem e homens em boa condição física deixassem a área.

A ocasião fez o líder. O Marques de Pombal deu ordens, organizou a reconstrução de Lisboa e arredores, providenciou o enterro de cerca de vinte mil mortos, hierarquizou providencias e enfrentou o problema com olhar certeiro. Expulsou os jesuítas de Portugal e de todas as colônias. Como se diz hoje manteve o foco. Solucionou seus problemas em tempo razoável. Ele entendeu a gravidade da situação. É um exemplo muito oportuno para o Brasil de hoje. O presidente Bolsonaro parece não compreender que o mal já está feito. Não fará muita diferença retomar atividades do comércio a da indústria hoje, na semana próxima ou no final do mês.

A tragédia econômica já aconteceu. A profunda queda no produto interno bruto está contratada. O ano de 2020 acabou. Quem tinha que demitir, já demitiu. Os próximos meses serão dedicados a cuidar de feridas, feridos, tratar dos enfermos e refazer o tecido social. Discussões políticas, a esta altura da vida, são desprezíveis e inoportunas. Trata-se de salvar a vida e a economia do Brasil.

Este é o xis do problema. O presidente pensa na sua sucessão como se ela fosse acontecer na próxima semana. Trabalha com olhos postos em 2022. Sugere remédios milagrosos para conter a pandemia e pretende até abrir fronteiras fechadas pelos governos vizinhos. Sua diplomacia de apoio explícito a Donald Trump foi para o espaço. Na hora de maior necessidade, o governo dos Estados Unidos desviou encomendas brasileiras que transitavam pelo aeroporto de Miami. O governador do Maranhão (PC do B) foi mais esperto. Fretou aviões que fizeram escala na Etiópia para fugir dos olhos gulosos dos norte-americanos.

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E o mundo descobriu por intermédio da pandemia a incrível dependência de todos os países do ocidente da produção da China. Aviões cargueiros de várias nacionalidades estão na fila em aeroportos chineses para comprar equipamentos de proteção individual, respiradouros e outros implementos. A economia chinesa é praticamente o único provedor deste tipo de material para todo o mundo. Trump, que tentou ridicularizar os chineses, foi obrigado a esquecer tudo e mandar cheques para comprar em regime de urgência do único provedor mundial.

A política ultra liberal do ministro Paulo Guedes também subiu no telhado. O capitalismo precisa, de tempos em tempos, de verbas governamentais. Na crise de 2008, o governo dos Estados Unidos foi obrigado a socorrer bancos e grandes empresas. A crise de 1929 gerou a eleição de Franklin Roosevelt que por sua vez produziu o new deal, programa do governo norte-americano de fantásticos investimentos governamentais (O Tennessee Valley Act foi um deles). É a fórmula imaginada pelo economista John Maynard Keynes: ’o governo deve criar empregos nem que seja para enterrar e desenterrar garrafas’. Neste momento, o liberalismo econômico também está completamente fora da pauta. Ou seja, tudo mudou. Só Bolsonaro não percebeu.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista 

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