O presidente Jair Bolsonaro descobriu o Brasil. Ele permaneceu por 19 meses na capital federal. Visitou diversos países, mas evitou Rio, São Paulo e sobretudo os estados do Nordeste, onde teve desempenho eleitoral muito fraco. Neste período só deixou a Capital Federal para visitar instalações militares.
Aqui frequentou manifestações, a pé, a cavalo ou de helicóptero, contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Desperdiçou este período em discussões estéreis e não desenvolveu nenhuma iniciativa para chamar de sua. Está condenado a inaugurar obras de infraestrutura planejadas pelo Ministro Tarcísio Gomes de Freitas, que trabalhou na área nos governos Dilma e Temer.
É o único setor do governo que tem diretriz e planejamento. O resto é improviso. Ele inaugurou o eixo norte da transposição do rio São Francisco, no Ceará, obra iniciada no governo Lula. A inauguração foi apenas o pretexto para ele viajar ao nordeste e andar no meio do povo naquela região do país. Este movimento está dentro da política de melhorar relações com o Congresso, com os adversários e voltar os olhos para o Brasil. Acabar com as brigas e deixar os ministros trabalharem.
Quando a pandemia deu as caras no Brasil no início de março, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta disse que em junho o país chegaria à cinquenta mil mortes por causa da covid 19. Ele foi ridicularizado, confrontado e demitido.
A realidade venceu a ficção e o negacionismo. Seu sucessor durou um mês na cadeira. O General Eduardo Pazuello chegou para gerenciar a crise. Uma de suas tentativas foi escamotear os números. Não deu certo porque imprensa brasileira e órgãos especializados internacionais denunciaram a manobra.
O presidente perdeu muito tempo com discursos raivosos e com a preocupação de demonstrar que ele era a Constituição. Encontrou resistência no Supremo e no Congresso. O sistema democrático de pesos e contrapesos se mostrou eficiente.
Os filósofos dizem que a única coisa que os humanos não recuperam é o tempo. Ele é precioso e deve ser respeitado. Bolsonaro subiu no palanque e negou a pandemia. Disse que era uma gripezinha. Fechou os olhos para os mortos, não visitou um único hospital, nem as cidades mais afetadas pelo vírus.
Perguntado sobre sua ausência, respondeu com um cínico “e daí”. Ele repetiu Josef Stalin, por incrível que pareça. Quando questionado sobre a grande fome ocorrida entre 1932 e 33, respondeu com uma frase reveladora do desprezo pelo ser humano. “Uma única morte é tragédia. A morte de milhões é estatística”. Aqui morreram milhares em nome da bagunça, da falta de liderança, da corrupção e da profunda indiferença do presidente da República em relação a seus cidadãos.
Agora, ele pretende se reencontrar com seus nacionais. Seu prestígio caiu muito dentro e fora do Brasil. A rejeição a Abraham Weintraub verificada entre os funcionários do Banco Mundial é algo espantoso e raro. Nunca ocorreu antes.
O episódio da prisão do Queiroz, as contraditórias declarações do advogado Frederick Wassef, e a estranha decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que contornou julgado do Supremo Tribunal Federal para proteger o senador Flávio Bolsonaro revelam que o presidente está pisando em terreno pantanoso. Os índices de popularidade estão desabando. O caminho razoável para se manter no poder é conversar, negociar e suspender o tiroteio.
Há outro aspecto na confusa administração Bolsonaro, consequência da influência do filho na divulgação de atos do governo. A área de comunicação da Presidência foi confinada às ações do chamado gabinete do ódio. Algumas inciativas interessantes da administração federal, como a entrega dos primeiros jatos Grippen à Força Aérea, ocorrida na Suécia, ficou restrita à propaganda do fabricante. O governo não aproveitou o momento.
As assinaturas de contrato de concessão da ferrovia norte/sul e da ferrovia oeste/leste, que vai de Barreiras a Ilhéus, são iniciativas positivas em favor do desenvolvimento nacional. Estes fatos ficaram escondidos no noticiário de pé de página nos jornais. A área de comunicação deste governo é péssima. A única preocupação é proteger o presidente porque ele pode, a qualquer momento, dizer alguma bobagem ou soltar um palavrão.
O presidente Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro para o velório de um paraquedista que morreu durante treinamento. Emocionado, ele foi as lágrimas. Uma morte é tragédia, mas 50 mil mortes constituem uma estatística. Curioso como os extremos se tocam.