Todos estamos equivocados
Manifestação política de protesto interrompendo um concerto de música clássica para pedir cassação de ministros do Supremo
Faz anos li, um livro do argentino Carlos Sabino com o título “Todos nos Equivocamos”. Nele, o autor conta a aventura política de sua geração, deve ter agora ao redor de 75 anos, de militantes de esquerda passando por diversos movimentos e partidos. Sua conclusão é de que, da extrema esquerda guerrilheira até os legalistas comunistas, passando pelos burocratas peronistas, todos erraram nas suas propostas de construir um país melhor a serviço e benefício do povo.
Quando, mais de 10 anos atrás, o livro acabava de sair em Buenos Aires, comprei diversos exemplares para presentear a companheiros e consegui entrar em contato com o autor que vivia ainda na Guatemala, para onde tinha partido em exílio durante a ditadura. Não o encontrei pessoalmente, mas trocamos mensagens sentindo muita identidade entre nossos percursos políticos.
Lembrei dele esta semana ao receber pelo whatsapp uma manifestação política de protesto interrompendo um concerto de música clássica para pedir cassação de ministros do Supremo. O vídeo que recebi mostra o maestro interrompendo o desempenho da orquestra depois de algum tempo dos gritos do manifestante.
Este fato deve ficar na história como uma prova concreta da desorientação em que todos estamos errando no Brasil. Por um lado, os erros dos ministros do supremo, indecentes em relação à democracia e estúpidos em relação ao que buscam; por outro, a indelicadeza, grosseria, despreparo de alguém se manifestando no meio de uma sinfonia em execução por orquestra.
Esta situação seria apenas gesto tresloucado, se não fosse na verdade mais uma de milhões de gestos diários de nossos políticos e dirigentes, nos três poderes da república, e de cada um de nós simples cidadãos e cidadães. Como os ministros e o manifestante, perdemos a noção do que deveríamos fazer e perdemos a noção do que não devemos fazer. Como diz o Carlos Sabino, todos estamos equivocados e sem rumo.
Cristovam Buarque é ex-senador