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Quando a tragédia vem a calhar (por Helena Chagas)

Pandemia é a desculpa favorita dos políticos

Por Helena Chagas
Atualizado em 18 nov 2020, 19h47 - Publicado em 22 out 2020, 11h00

A tragédia que já matou quase 155 mil brasileiros virou uma boa desculpa nas mãos dos políticos, que agora usam seletivamente as limitações da pandemia para manter e ampliar poderes e vantagens. O exemplo da semana foi a justificativa esfarrapada do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ao empurrar para novembro a decisão sobre a convocação para o Conselho de Ética começar a examinar representação que pede a punição do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) por falta de decoro. Parece difícil haver falta de decoro maior do que esconder algo da polícia na cueca, e o Conselho vai ficar numa saia justa se não punir o colega. Mas ele é um boa praça querido no tapete azul. Melhor então, raciocinaram, não reabrir o Conselho, que está com as atividades suspensas. Segundo Alcolumbre, os senadores estão temerosos em relação à propagação da Covid-19 e é melhor deixar isso para depois.

Só não explicou bem por que os senadores têm medo do coronavírus no Conselho de Ética – que poderia funcionar virtualmente – e não o têm, por exemplo, nas Comissões de Constituição e Justiça e de Assuntos Econômicos, que se reuniram em modo “semipresencial” esta semana para sabatinar e aprovar a toque de caixa as indicações de Jair Bolsonaro para o STF (Kásso Nunes) e para o TCU (Jorge Oliveira) – sendo que esta última vaga, decorrente da aposentadoria de José Múcio, só estará aberta em 2021. Vai entender o critério…

Aliás, para alguns, está muito bem entendido. Candidato à reeleição que precisa das bênçãos do Planalto, Alcolumbre também resolveu que a CPMI das Fake News – que apura acusações de envolvimento de Carlos e Eduardo Bolsonaro – pode ser um perigosíssimo propagador do coronavírus e não pode funcionar. Assim como o plenário do Congresso, que promete, promete, mas não consegue fazer sessão para derrubar o veto à desoneração da folha de pagamento de 17 setores.

No tapete verde, a Covid também investiu de superpoderes o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Só se vota lá o que ele quer – embora nem tudo que queira seja votado. A medida provisória que reduziu de R$ 600 para R$ 300 o auxílio emergencial, por exemplo, nunca será votada. A oposição anunciou que vai tentar restabelecer o valor antigo do benefício, e é grande o risco de boa parte dos governistas acompanharem. Maia, que voltou a ser unha e carne com Paulo Guedes, sentou em cima da MP. Quando ela caducar, já terá surtido efeito.

Não é só no Congresso e no Planalto – onde Bolsonaro cresceu com o auxílio emergencial — que a maior tragédia sanitária brasileira dá sua mãozinha a autoridades que resolveram usá-la. A Segunda Turma do STF, por exemplo, vem escapando do julgamento que poderá anular a sentença de Sergio Moro no caso do triplex do Guarujá, devolvendo a elegibilidade ao ex-presidente Lula. Seu presidente, Gilmar Mendes, alega que o assunto é tão importante que tem que ser examinado em sessão presencial – que, todos sabem, só ocorrerá ano que vem, se não houver segunda onda. A pandemia, porém, não vem impedindo dezenas de outros julgamentos remotos todos os dias.

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Até no momento alto da democracia, a eleição, a pandemia é usada para beneficiar o status quo. Ou o fato de os debates terem sido cancelados no primeiro turno, sob o pretexto do risco de contaminação – como se não pudessem ter proteção ou ser virtuais – não favorece quem está na frente nas pesquisas ou disputa a reeleição?

Helena Chagas é jornalista

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