Parlamentarismo cinzento
Toda vez que o presidencialismo passa por alguma crise aparece alguém falando em parlamentarismo.
Toda vez que o presidencialismo à brasileira passa por alguma crise – e bota crise nisso – aparece alguém falando em parlamentarismo. A mudança no sistema de governo já o remédio altamente ineficaz para driblar a posse de João Goulart em 1961, quase entrou na Constituição de 1988 e foi cabalmente rejeitada pelo voto popular em dois plebiscitos, o último deles em 1993. Volta e meia, porém a idéia reaparece. O modelito da estação é o “parlamentarismo branco”.
O parlamentarismo da moda não vem, como de outras vezes, sob a forma de uma proposta de emenda constitucional destinada a mudar o papel institucional e as relações entre os poderes, dando ao Congresso, oficialmente, as funções de governo. Trata-se, agora, de um arranjo informal, até reforçado por medidas que fortalecem as prerrogativas do Legislativo – como o orçamento impositivo, por exemplo – mas que não mudaria substancialmente as regras da Carta presidencialista.
Nesse momento, todo mundo que fala em “parlamentarismo branco” refere-se à disposição do Congresso de preencher o vazio político deixado por um presidente frágil, despreparado e com perda acelerada de apoio na própria sociedade. A fórmula parlamentarista de hoje seria uma maneira de bypassar Jair Bolsonaro, uma aliança entre as forças majoritárias do Congresso e o establishment econômico do país, com o apoio de setores do governo, como a equipe econômica, para controlar a pauta do país.
A provável aprovação de uma reforma previdenciária pelo Legislativo – independentemente do Executivo – seria o primeiro e bem sucedido ato desse modelo de governo congressual a ser mostrado ao país. Abriria caminho a outras agendas, como a da reforma tributária e medidas articuladas com a equipe de Paulo Guedes. E a vida seguiria até as eleições de 2022.
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas será que isso dá certo? Pouco provável. Ainda que a equação de nosso presidencialismo contraponha sempre um Executivo fraco a um Congresso forte – e vice-versa – , há limites claros para esse tipo de corta-e-cola institucional.
Por mais que o Legislativo comece a aprovar medidas esvaziando os poderes do presidente da República, limitando suas prerrogativas em relação ao orçamento e restringindo sua capacidade de editar medidas provisórias, por exemplo, há todo um arcabouço constitucional a reforçar seus poderes como chefe do Executivo e detentor maior dos mecanismos legais para governar. O que torna insustentável a condução de qualquer governo em outras bases sem reforma profunda na Carta.
É o presidente quem tem a caneta e nomeia – dos ministros do STF ao procurador geral da República, passando pelos cargos da administração direta, indireta e estatais. É o presidente que edita decretos, medidas provisórias e tem competência privativa para encaminhar ao Congresso propostas sobre determinados assuntos. É o presidente o comandante em chefe das Forças Armadas.
Toda essa conversa de “parlamentarismo branco”, portanto, parece destinar-se a entreter os ingênuos. Ou bem – ainda que contra as expectativas – Executivo e Legislativo se acertam em torno de regras mínimas de convivência, ou em breve, logo após a votação da Previdência, assistiremos a um novo capítulo da saga dos últimos 30 anos, que já engoliu dos presidentes da República via impeachment.
É possível, e talvez seja até desejável, implantar o parlamentarismo no país. Mas por caminhos claros, constitucionais, submetidos a novo e obrigatório plebiscito, para vigorar para mandatos futuros. Sem nódoas.