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Parasitismo científico

Populistas desprezam a ciência, mas dela se valem quando lhes convém

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 18h52 - Publicado em 11 jun 2020, 12h00

Editorial de O Estado de S. Paulo

Um dos traços marcantes de líderes populistas como Jair Bolsonaro é o anticientificismo. Há duas razões essenciais para que seja assim. Primeiro, a origem da produção científica é sempre uma dúvida. Populistas só têm certezas. Segundo, o que move um cientista é o desejo genuíno de encontrar a verdade factual no seu campo de pesquisa. Nem sempre o discurso de um populista se coaduna com os fatos, sejam naturais, sejam sociais. Não raro, dá-se o exato oposto. Se dados sobre desmatamento cientificamente aferidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) contradizem a convicção – ou o interesse – do presidente da República, às favas com os fatos. Se estatísticas de saúde pública sobre a covid-19 no Brasil apresentam números desconfortáveis para Bolsonaro, então que se mude a metodologia até que esses números caibam em suas maquinações eleitoreiras.

É interessante observar, contudo, que o mesmo Jair Bolsonaro que faz pouco-caso da ciência dela se vale quando lhe convém, quando a deturpação de um dado ou de uma declaração dada por autoridade científica pode ser usada como uma espécie de chancela acadêmica a algum de seus desatinos. No final de março, por exemplo, o presidente citou trecho de uma declaração do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para consubstanciar sua tese contrária ao isolamento social. “Vocês viram o presidente (sic) da OMS ontem?”, perguntou Bolsonaro a um grupo de apoiadores. “O que ele disse, praticamente… Em especial, com os informais, têm de trabalhar. O que acontece? Nós temos dois problemas: o vírus e o desemprego. Não pode (sic) ser dissociados, temos de atacar juntos”, dando a entender que a OMS também defendia o relaxamento de medidas de contenção do novo coronavírus. O que Bolsonaro não disse, porque não lhe convinha, é que a ideia contida na fala de Ghebreyesus, quando ouvida por inteiro, era completamente diferente do que o presidente sugeria. O diretor-geral da OMS falava de uma legião de desvalidos no mundo inteiro que de uma hora para outra tiveram suas fontes de renda cessadas em decorrência da pandemia, dado que a esmagadora maioria dessas pessoas está no mercado de trabalho informal, e, por esta razão, precisava ser amparada pelo Estado no curso da crise pandêmica.

Há dias, mais uma vez o presidente tomou emprestada uma declaração descontextualizada de uma autoridade sanitária para reforçar sua irresponsável política anti-isolamento. Durante uma entrevista coletiva, a chefe da unidade de doenças emergentes da OMS, Maria Van Kerkhove, citou um estudo que indicava que pacientes assintomáticos de covid-19 têm poucas chances de transmitir a doença. Foi o que bastou para Bolsonaro correr ao Twitter e escrever que “após pedirem desculpas pela hidroxicloroquina, agora a OMS conclui que pacientes assintomáticos (a grande maioria) não têm potencial de infectar outras pessoas. Milhões ficaram trancados em casa, perderam seus empregos e afetaram negativamente a economia”.

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Da forma como foi dita por Maria Van Kerkhove, a informação causou enorme e justificado alvoroço no mundo inteiro. Afinal, bilhões de pessoas que não apresentam sintomas de covid-19 estão fechadas em casa, com todos os impactos sociais e econômicos que isso representa. Noutras palavras: fosse inteiramente verdadeira a asserção da chefe de doenças emergentes da OMS, a história da pandemia mudaria radicalmente. Mas não era. Pouco tempo depois, a OMS afirmou que a declaração de Van Kerkhove foi um “mal-entendido” e que o estudo por ela citado era de “pequeno porte”. Ou seja, todas as pesquisas feitas até agora sobre a evolução da covid-19 não são conclusivas para determinar claras distinções entre as formas de transmissão do novo coronavírus por pacientes sintomáticos, pré-sintomáticos e assintomáticos.

A autocorreção da OMS – a propósito, um traço benfazejo dos cientistas – foi olimpicamente ignorada por Jair Bolsonaro. Ao presidente não interessa a chamada verdade factual, interessam as versões que podem ser vendidas como verdade para sua base de apoiadores. Nem que para isso tenha de agir como uma espécie de parasita do conhecimento científico.

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