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Os últimos anos de Machado de Assis

Psicanálise da vida cotidiana

Por Carlos Vieira
Atualizado em 21 fev 2018, 20h02 - Publicado em 21 fev 2018, 16h15

Em 2016, Silviano Santiago, romancista, contista, ensaísta literário e Doutor em Letras pela Sorbone, escreveu um belo livro, Machado pela Cia. das Letras, sobre os cinco últimos anos de Machado de Assis, nosso escritor maior e fundador da Academia Brasileira de Letras. Uma prosa poética como também uma cuidadosa pesquisa sobre o quinto volume da correspondência de Machado.

O que chama atenção em seu escrito, além de outros aspectos biográficos do Bruxo do Cosme Velho, é a relação já escrita por outros autores europeus (Maxime du Camp, Jean-Paul Sartre, Thomas Mann e Carlos de Laet) que existe entre enfermidade, doença, angústia e criação literária e artística. Como exemplo, aqui no Brasil, encontramos na pessoa do Aleijadinho, Machado de Assis e Mário de Alencar, filho do nosso José de Alencar.

Não se escreve uma obra artística e literária sem conviver profundamente com dores da existência humana, onde cada autor, movido por essas angustiantes perspectivas de morte e consciência da sua finitude, sublima de maneira criativa, e fala não só de si mesmo, através dos seus personagens mas dos aspectos íntimos da alma humana.

A criatividade parece surgir desde a infância, da condição precária do ser humano, sua angústia frente a possibilidade de abandono além do destino inexorável de ser mortal, finito, limitado. Os escritores em sua maioria extraem da percepção mais aguda dessas dores humanas e são capazes de descrever estados psíquicos de uma maneira muito profunda.

A melancolia, a tristeza da condição patológica, a vivência concreta de mortalidade, todos esses fatores ficam muito claro na escrita de Silviano Santiago: “A vivência da alma em recolhimento, leitura e reflexão se reproduz— para ele – numa perfeita cena de família, em tudo por tudo igual à que se encontra representada à exaustão e realisticamente na pintura pequeno-burguesa europeia e nacional do século XIX.”

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Já no começo de seu livro, Santiago lembra o impacto que causou ao escritor católico Paul Claudel o ditado popular que diz: “Deus escreve direito por linhas tortas”. Logo escreve Silviano: “O escritor francês se regala com o achado carioca que vira chave mestra na sua visão teológica do mundo. Deus escreve direito por linhas tortas, humanas demasiadamente humanas. Claudel acreditaria que Deus escreve as vidas tortas de Aleijadinho, Gustave Flaubert, Machado de Assis e Mario de Alencar?”

Fica a pergunta, prezado leitor: as dores humanas são a base da criação literária, concorrendo desse modo para o ato civilizatório? Penso que sim. Convido-o a ler o livro de Silviano Santiago!

Carlos Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association 

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