O presidente Jair Bolsonaro está mais histérico do que de costume. E sua histeria não foi atenuada com a boa notícia para sua família de que o Superior Tribunal de Justiça, liderado pelo ministro João Otávio de Noronha, por quem ele se apaixonou à primeira vista, detonou o processo que investiga Flávio Bolsonaro, acusado dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O mais recente surto de descontrole de Bolsonaro começou dias antes de ele anunciar que demitiria o economista Roberto Castelo Branco, indicado para a presidência da Petrobras por Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga do governo que ainda se imagina um general, mas que há muito tempo não passa de um desprestigiado ajudante de ordens do ex-capitão.
Era mais uma crise que poderia ter sido evitada, mas não, representou um baque para as ações da empresa na Bolsa de Valores, o dólar subiu e o país ficou mais caro para os brasileiros, e mais barato para os investidores estrangeiros. O mandato de Castelo Branco termina agora em março. Se não fosse renovado, ele simplesmente iria para casa sem esse barulho todo.
Por que Bolsonaro preferiu fazer barulho? O que ele sabe, mas não conta, sem que isso impeça quem está fora do governo de pressentir? Pode ser uma combinação de várias coisas que se especula nas rodas dos poderes da República. Uma: a megaepidemia que se avizinha, e que fará mal à sua popularidade. Outra: novos fatos que deem alento ao processo contra Flávio.
Outra ainda: o que fazer com o general Eduardo Pazuello, um general especialista em logística militar travestido de ministro da Saúde. A cabeça do general está marcada para rolar se Bolsonaro for obrigado a entregar uma para salvar a sua. É o que ele tem feito desde que se tornou presidente. Mas como cortá-la sem que isso cause desconforto dentro do Exército?
Pazuello não pediu para ser ministro. Foi Bolsonaro, ouvidos seus conselheiros também militares, que o forçou a aceitar a tarefa. Queria um ministro da Saúde que lhe dissesse sempre “tá ok”. Missão dada a um militar, treinado para obedecer, é considerada missão cumprida – embora, no caso de Pazuello, ele não tivesse preparo para tal, e tenha se cercado por militares despreparados.
A histeria de Bolsonaro teria a ver também com o medo dele de que, em breve, sejam abertas as primeiras frestas da caixa preta da compra de vacinas. Para um governo que se diz imune à corrupção, a caixa pode conter material altamente inflamável. Por que o Ministério da Saúde não fechou contrato com a Pfizer se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o registro da vacina?
Não vale responder, como faz Pazuello, que foi porque uma das cláusulas contratuais diz que o governo deve se responsabilizar por danos colaterais provocados pela vacina. A cláusula é comum a esse tipo de contrato. Está no contrato da compra da vacina AstraZeneca em aplicação no Brasil. Mais de 70 países já adotaram a vacina da Pfizer submetendo-se a tal condição.
Por que o Ministério da Saúde pagou mais de 1, 6 bilhão de reais por 20 milhões de doses da vacina Covaxin ainda na terceira fase de testes na Índia e sem autorização para uso no Brasil? Detalhe: não houve licitação para a compra. E a empresa brasileira que representa a Covaxin será denunciada por ter vendido testes de Covid superfaturados ao governo do Distrito Federal.
Para espanto de muitos dos seus ministros, Bolsonaro, em viagem ao Ceará, voltou a condenar o uso de máscaras, recomendou a volta ao trabalho para salvar a economia e ameaçou não repassar dinheiro do auxílio emergencial para os Estados cujos governadores endureçam as medidas de isolamento. Não deve ser só porque despreza vidas que ele age assim. Não pode ser. Algo há.