O melhor do Brasil é o brasileiro. A frase que virou título de série global é batida, lugar comum. Mas em tempos de pandemia é inevitável reincidir nela. E no plural: os brasileiros.
Por aqui, no auge do corte de recursos federais, pesquisadores conseguem sequenciar o genoma do novo coronavírus em tempo recorde, engenheiros desenvolvem respiradores de baixo custo, outros criam aplicativos que podem salvar vidas. Mais: na contramão das expectativas do presidente Jair Bolsonaro, a maioria dos brasileiros crê na ciência e não nas trevas.
Antes da pandemia, Bolsonaro, que já iniciara o ano em baixa ao entregar um PIB de apenas 1,1%, amplificou a sua já conhecida paranoia. Só enxergava inimigos, mesmo entre aqueles que juravam fidelidade. Aprontou com os ministros Sérgio Moro e Paulo Guedes, colidiu com o Congresso e o Supremo.
O Covid-19 multiplicou tanto sua síndrome de perseguição crônica que Bolsonaro não conseguiu enxergar outra doença à sua frente, quanto mais a gravidade do surto. Insistiu em um discurso alienígena, desconectado da OMS e do conhecimento científico. Tentou plagiar Donald Trump e não soube dar o cavalo de pau habilmente praticado pelo presidente dos Estados Unidos.
Só perdeu. Para governadores, prefeitos, para o seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Para os panelaços de todas as noites, desde meados de março.
Pesquisa Datafolha, publicada sexta-feira, apontou Mandetta com 76% de aprovação popular. Mais do que o dobro dos 33% de Bolsonaro, que também viu sua rejeição avançar 6 pontos percentuais. A fervura de inveja e ódio que no dia anterior levou Bolsonaro a humilhar o ministro em entrevista à rádio Jovem Pan deve ter borbulhado entre o desejo de demiti-lo sumariamente e as amarras de não poder fazê-lo.
Sua caneta Bic, da qual ele tanto se vangloria, passou a nada valer diante da credibilidade que seu ministro alcançou.
Médico conservador, enrolado em pendengas judiciais, antiabortista e bolsonarista de primeira hora, Mandetta ganhou popularidade por dar razão à ciência e não ao achismo. Para o chefe, tornou-se um inimigo.
Os governadores e prefeitos que optaram pela linha da razão também viram suas aprovações crescerem. Uma prova de que mais do que cicrano ou beltrano, o brasileiro tem dado crédito a quem decide com responsabilidade e critério científico.
Isso já ficara claro em outra pesquisa, no dia 24, também do Datafolha, quando 73% se disseram a favor de os governos proibirem a circulação das pessoas. Entenderam que ficar em casa era a melhor forma de protegerem a si a aos outros. Apenas 24% foram contra.
Dias antes, outra consulta popular já atacara com força o fígado do presidente. Os brasileiros, a maioria deles, demonstraram o valor que conferem ao jornalismo profissional. Sobre o Covid-19, 61% creditam informações à TV, 56% aos jornais impressos e 50% às emissoras de rádio. Apenas 12% dão bola para as redes sociais, mídia predileta do presidente e dos seus.
Negar a ciência acentua a demência de Bolsonaro. Ele incentiva a ignorância embora saiba perfeitamente as consequências de seus desatinos. Pouco importa, desde que consiga se eximir da responsabilidade pelo colapso do sistema de saúde, pelas mortes que virão, pela recessão sem precedentes que o país deverá experimentar. Age para tirar seu corpo fora e jogar o fardo em outros – nos seus ministros da Saúde, da Economia, da Justiça, nos governadores e prefeitos, no Congresso e no Judiciário.
Todos serão culpados, menos ele.
Para além das terríveis consequências da pandemia – morte de milhares, famílias imersas na tristeza, desemprego, empobrecimento, fome, recessão -, há um recado que já pode ser captado: o brasileiro não é tolo. Ainda que nos extremos existam rebanhos fiéis, a maioria não é gado e não topa ser tratado como tal. É valente, faz sacrifícios, é solidário. Mas exige informação, respeito, tratamento digno. Sabe que a Covid-19 não é coisa de Satanás e quer muito mais do que um jejum religioso para que o país “fique livre desse mal”.
Mary Zaidan é jornalista