Encontra-se no escaninho do Congresso a Política (PND) e a Estratégia (END) Nacionais de Defesa, documentos fundamentais para o planejamento e execução das atividades voltadas à defesa do País, desde o recrutamento aos acordos internacionais. Infelizmente deverá fazer caminho semelhante ao de sua versão anterior, de 2016, que só foi aprovada depois de dois anos, sem qualquer debate na Casa e sem a realização de audiências públicas, já no apagar das luzes do governo Michel Temer.
A omissão do poder civil em ditar os rumos para a política de defesa nacional e para as próprias Forças Armadas é emblemática. Deveria ser dele a liderança para definir as grandes diretrizes, cabendo aos militares o comando das ações de defesa propriamente ditas, como acontece na Europa, nos Estados Unidos e na maioria dos países dotados de forças armadas apetrechadas e preparadas para exercer suas funções tanto em tempos de paz como de guerra.
Sem cumprir o seu papel, o poder civil fica em suspense quando a temperatura aumenta nos quartéis, como no caso do atrito recente entre o comandante do Exército e o Presidente da República, que poderia desaguar em uma grave crise caso Jair Bolsonaro demitisse o general. A solução foi uma nota assinada pelos comandantes das três armas que preserva a autoridade do presidente e reafirma o substantivo: as Forças Armadas como instituições de Estado e não de governo.
Mas o simples fato de seus comandantes terem de sair a público para afirmar o que seria óbvio é sinal da existência de conflitos que precisam ser dirimidos.
Sempre bom lembrar que, nos anos do regime militar, o Brasil viu a política adentrando nos quartéis, o que gerou anarquia e quebra de disciplina, muitas vezes com o emparedamento do presidente, mesmo sendo ele um general de quatro estrelas. As Forças Armadas saíram de suas funções profissionais para comandar diretamente a política e o país.
O ativismo teria fim com uma transição democrática, a partir da qual os militares puderam recuar organizadamente para os quartéis. A atuação política deu lugar ao modelo estritamente profissional, com as Forças Armadas se dedicando às suas funções constitucionais. Por isso mesmo tornaram-se as instituições mais respeitadas pelos brasileiros e puderam se dedicar a dar uma formação profissional de altíssimo nível a seus oficiais, onde as promoções acontecem por mérito e não por antiguidade.
Os militares começam a ser arrastados de volta para política ao final da crise do governo de Dilma Rousseff, quando o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, teve atuação constante nas redes sociais. E militares como o general Hamilton Mourão, hoje vice-presidente da República, passaram a fazer pronunciamentos descolados de suas funções profissionais.
Com a vitória de Jair Bolsonaro, a linha divisória entre as Forças Armadas e o governo ficou tênue em função da forte participação de militares – mais de seis mil –, alguns dos quais em postos estratégicos, como o grupo que compõe o núcleo palaciano.
Como era de se prever, a imagem dos militares, duramente construída ao longo dos últimos 35 anos, tem sido afetada – negativamente – por esse processo.
Um bom exemplo da clareza do papel de cada um vem dos Estados Unidos. As Forças Armadas americanas cuidam exclusivamente de seus assuntos sob o comando do poder civil, que se estabelece de forma democrática e representativa.
Diante da premência de se estabelecer a Política e a Estratégia Nacional de Defesa, o Congresso prestará um desserviço ao país se tratá-las com o mesmo desdém do passado. É hora dos civis assumirem protagonismo e responsabilidade nesta questão.
Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação e do Conselho Estadual de Educação