O país da piada (por Gaudêncio Torquato)
Continuaremos a viver de improviso caso as normas de boa conduta sejam jogadas no lixo
No chiste atualizado, o venezuelano indaga a Deus: por que o Senhor é tão injusto com a Humanidade? Temos uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grande herói Simon Bolívar, mas hoje mera estampa na parede de Nicolas Maduro. Temos fome, miséria, mais de 3 milhões de pessoas já fugiram e uma inflação de 2,5 milhões. E agora essa Covid.
Deus disse: tenho procurado ser justo. Vejam o Japão, tripinha de terra com tufões, mas um gigante tecnológico. Olhe os Estados Unidos, a maior potência mundial, atormentada por ciclones. E mais: o Covid-19 mata milhares no país e contamina milhões. Aliás, esse coronavírus é a resposta para os malefícios que as Nações provocam contra a natureza, o ódio e a ambição de governantes e políticos.
Veja os encantos da Índia e contemple as belas paisagens africanas, mas fuja daquela miséria. Botei muito petróleo no Oriente para compensar a tristeza dos costumes desumanos.
Deus arrematou: veja o Brasil, imenso e fértil território, muito sol, costa monumental, sem terremotos ou guerras. E por que tanta condescendência? Deus foi taxativo: conhece o povinho que coloquei lá? Eles não estão livres desse vírus. Veja o governante eleito.
Acabou a conversa.
Pois é, esse governante acaba de acrescentar mais uma ao seu besteirol: “quem é de direita usa cloroquina, quem é de esquerda toma tubaína”.
O castigo divino parece que chegou. O Brasil padece hoje da improvisação dos homens públicos.
Incúria, desleixo e falta de planejamento estão na base da gravidade da pandemia que nos assola. Crise dentro de crise: sanitária, econômica e políticas em escalada crescente.
Um governante “receita” cloroquina contra o Covid. Ministros da Saúde, médicos, saem por discordar do uso indiscriminado da droga. Um novo ministro da Saúde, general bom de logística, mas que nada sabe de medicina. De uma tacada só, nomeou dez militares.
Mais: uma Secretária da Cultura, atriz famosa, deixa seu cargo depois de fritada pelo chefe. Um ministro da Educação que atropela o vernáculo. Um grupo de generais do Exército, instituição séria e respeitada, que parece concordar com os impropérios do capitão. Um ministro da Economia que dá sinais de desespero ante a projeção de queda de mais de 5% do PIB este ano. Um chanceler com uma estapafúrdia visão do mundo, cultor de nova “guerra fria”. Paro por aqui.
Ganância, ambição, ataque feroz à natureza e ausência do Estado são responsáveis pela ocupação maior dos cemitérios.
Continuaremos a viver de improviso caso as normas de boa conduta sejam jogadas no lixo. Temos boas leis para proteger a sociedade e o meio ambiente. São desprezadas. Agora, a guerra entre potências é para saber onde nasceu o vírus. Ora, o foco deve ser o combate a ele. Política não pode balizar a ciência.
O momento é de civismo. A grandeza de uma Nação não é apenas a soma de riquezas materiais, abriga um conjunto de valores, sentimento de pátria, o sentido de família, culto às tradições e costumes, respeito às leis, visão de liberdade, seiva na qual o cidadão forja o orgulho pela terra em que nasceu.
Só assim deixaremos de ser o país da piada pronta.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político