Coesão, perseverança e equilíbrio são fatores fundamentais para o Brasil enfrentar a pandemia do coronavírus. Ao presidente competiria usar a autoridade que a Constituição lhe confere para liderar os brasileiros nessa dura travessia. A missão de comandar é indelegável, quanto mais em tempos de guerra. O Covid-19 pode provocar a morte de 110 mil brasileiros nos próximos meses e a recessão bate à nossa porta. O Brasil, portanto, não precisa que se instale uma crise de autoridade em um quadro tão dantesco.
Infelizmente já está posta, como evidencia o demite-não-demite do ministro da Saúde. O comportamento errático de Jair Bolsonaro, sua falta de foco na defesa da vida e da sobrevivência das pessoas passam para a sociedade a imagem de um presidente emparedado pelos outros dois poderes e por ministros moderados que ora atuam como bombeiros, ora para reduzir danos.
O mais comezinho direito de um presidente é o de nomear e demitir. O de Bolsonaro foi posto em xeque em função de suas tentativas atabalhoadas de livrar-se do ministro que lhe faz sombra. Não que Luiz Henrique Mandetta seja insubstituível ou que sua condução no combate ao coronavírus seja isenta de críticas.
Mas só se demite um general em campo de batalha quando sua estratégia pode levar à derrota ou à desagregação de suas forças. Não é que vem acontecendo com o desempenho de Mandetta, cuja estratégia encontra-se respaldada pela Organização Mundial da Saúde. O ministro acerta quando se pauta pela ciência. É recomendável que não desperdice energias em uma “guerra de estrelas”.
O efeito mais perverso da crise de autoridade é a existência de um governo desarticulado. Ou melhor, de um governo desgovernado. É como se as ações dos diversos ministérios não tivessem relação entre si e inexistisse uma coordenação para dar coerência e eficácia a ação governamental. Não se pede ao presidente que seja o braço operativo dessa coordenação, mas a missão de dar um norte deveria ser dele e de mais ninguém.
Há um conjunto de necessidades que exigem uma ação articulada e transversal. Os desafios são muitos e as carências imensas.
Como fazer para suprir a falta de EPIs ou reorientar a produção nacional para uma “economia de guerra”, capaz de responder por exemplo à demanda por respiradores mecânicos, são questões sem respostas. Também não se sente um esforço conjunto do governo federal para criar novos leitos e UTIs, bem como para avanços de pesquisas em busca de remédios e vacina para o coronavírus.
O general Braga Neto foi indicado para coordenar e dar sentido orgânico à ação de todas as pastas. Teoricamente é capacitado para a missão, por sua experiência como planejador, mas é visível que falta ao governo um Pedro Parente. Mais ainda falta um presidente como Fernando Henrique Cardoso, capaz de tornar menores as crises que adentram o Palácio do Planalto.
A quebra da autoridade presidencial traz consigo o germe da anarquia. O exemplo mais deletério vem do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sem a menor noção do papel institucional de um ministro de Estado. Irresponsavelmente, contrariou os interesses nacionais com sua mensagem racista em relação aos chineses.
A China é o maior produtor mundial dos insumos médicos tão necessários para nosso sistema de saúde não colapsar. É nosso principal comercial, seu mercado é estratégico para a soja brasileira, que sofre concorrência agressiva dos Estados Unidos. Pois bem, enquanto a ministra da Agricultura, Tereza Cristina Dias, e o vice presidente da República, Hamilton Mourão, atuam para preservar os interesses brasileiros, Weintraub, por motivos ideológicos, opera para implodir as relações com a China. De que lado está Bolsonaro neste embate? Seu silêncio sepulcral é sintomático e preocupante.
Em jogo não está apenas a autoridade da figura Bolsonaro. Está a autoridade da instituição Presidência da República. Restaurá-la é fundamental, se quisermos vencer a guerra contra o coronavírus.
Não será reconstruída, contudo, à base do “prendo e arrebento” do general Figueiredo. Ou por uma canetada que jogue fora o esforço da sociedade e o bom trabalho realizado pela pasta da Saúde. Exigirá espírito de liderança, resiliência, autorregulação, inteligência emocional, requisitos ausentes no presidente.
A despeito de o leme estar em mãos trêmulas, vamos ter de nos reinventar para atravessar a tempestade do coronavírus. E triplicar esforços para evitar que a nau afunde.
Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e do Conselho Estadual de Educação. Escreve às 4as feiras no Blog do Noblat.