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Nada cheira bem (por Mary Zaidan)

Bolsonaro protagoniza um carnaval de conflitos

Por Mary Zaidan
Atualizado em 30 jul 2020, 19h08 - Publicado em 23 fev 2020, 08h00

Há algo estranho no ar. Um indisfarçável cheiro de perigo, perceptível até por aqueles que se inebriaram com as promessas de novos aromas. Às narinas que pretendiam enterrar a podridão do petismo, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem ofertado outro tipo de droga, também com efeitos devastadores.

O governo derrapa, quase não anda. Não raro move-se para trás – a fila de 1,3 milhão do INSS e de 3,5 milhões à espera do Bolsa Família que o digam -, e achincalha aqueles que poderiam ajudá-lo a seguir para frente.

O comportamento do presidente segue um padrão. Faz de desentendido quando convém – quem não se lembra do inocente “o que é golden shower?” depois de divulgar um vídeo da cena como se fosse prática carnavalesca. E adora a persona do “sincerão”, não raro associada a agressões à imprensa, para delírio da claque no gramado externo do Palácio do Alvorada.

Além de ultrajar a instituição da Presidência da República com sua avalanche cotidiana de impropérios, Bolsonaro autoriza e estimula a incivilidade. Algo já grave na pauta de costumes, por reforçar toda sorte de preconceitos, que se torna gravíssimo ao encorajar guerras institucionais, desobediência civil, o caos.

A tomada de partido pró-motim de parte da polícia do estado do Ceará é um exemplo dessa insanidade. Diante da ação tresloucada e criminosa do ex-governador e senador Cid Gomes, baleado ao tentar entrar com uma retroescavadeira em uma unidade tomada por PMs grevistas, Bolsonaro não condenou ambos os lados, como caberia a um presidente. Deu razão aos amotinados – posição replicada pelo filho Flávio nas redes –, acendendo o rastilho de bombas prestes a estourar em outros 11 estados nos quais as polícias reivindicam reajustes salariais.

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Aplaudiu métodos que desafiam a Constituição, a hierarquia das polícias e a autoridade dos governadores, tão legitimados pelo voto quanto o presidente. Misturou-se ainda mais com as milícias ao aprovar policiais mascarados que obrigam fechamento de comércio, sequestram e incendeiam carros. Sem meias palavras, incita o caos.

Deliberadamente, Bolsonaro protagoniza um carnaval de conflitos. Tal como lança-perfume, pode até extasiar muitos, mas é incapaz de produzir fragrância duradoura.

No plano institucional, o governo asperge fedor. Faz questão de cultivar inimigos.

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Captado por microfones do canal governista, o general Augusto Heleno, ministro do GSI, acusou o Congresso de fazer chantagem, disparando um “foda-se”, rapidamente transformado em mote para convocar bolsonaristas para um ato no dia 15 de março. Isso depois de a assessoria do presidente ter plantado que Bolsonaro havia demovido Heleno da ideia de chamar o povo às ruas contra o Parlamento.

Maior protagonista da aprovação da reforma da Previdência, a única que o governo conseguiu lograr a despeito do esforço zero do presidente, a Câmara é acusada de querer controlar o orçamento. Não dizem que o quinhão fora previamente acordado com o governo que, depois de negociar, voltou atrás.

Pode-se criticar os valores, mas o sistema de emendas impositivas aprovado pelos parlamentares é o mais eficaz para acabar de vez com a prática do toma lá dá cá. Com ele, nem deputados podem vender votos para liberar verbas nem o governo pode oferecer recursos em troca de votos. Em suma, reduz o poder de barganha de ambos. Mas o Executivo, acostumado a ser o dono único da bola, perde mais – e grita.

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À rixa com o Congresso somam-se os disparates de Bolsonaro contra os governadores, os inimigos da vez. Primeiro, o capitão mirou nos nordestinos, os “paraíbas”, depois nos da região amazônica, excluídos do novo Conselho da Amazônia. Não satisfeito, atacou genericamente todos os governantes estaduais ao desafiá-los a reduzir impostos sobre a gasolina. Em seguida, culpou o governador da Bahia, o petista Rui Costa, pela morte do miliciano Adriano da Nóbrega, caso que parece perturbar em demasia o chefe da nação e sua prole.

Difícil crer que nada há por trás da “coincidência” de jogar governadores na fogueira ao mesmo tempo que dá incentivo incendiário a corporações armadas.

Nada cheira bem.

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Mary Zaidan é jornalista 

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