
16.1.2008
– Acho que você deveria parar com esse diário – sugeriu-me Rebeca outro dia.
– Por quê? Você não está gostando?
– Os meninos, você sabe…
– André e Gustavo? O que é que tem?
– Eles são seus filhos tanto quanto Sofia.
– De fato, se parecem muito comigo.
– E como vai ser depois no caso deles?
– Que caso, Rebeca? Estão com ciúmes de Sofia?
– Não, é Luana.
– Ciúmes de Luana? Não acredito!!!
– Pare de me interromper. Deixe-me explicar.
Rebeca é incapaz de ir direto ao ponto. Dá voltas e voltas para chegar onde quer.
– Você pretende escrever um diário cada vez que nascer um neto?
– Não havia pensado nisso, mas certamente que não.
– E quando nascerem os filhos de André e de Gustavo? Como se sentirão ao descobrir que somente Luana teve direito a um diário do avô?
– Mas eu não tenho culpa de que Sofia tenha procriado primeiro.
– Não estou dizendo que tem.
– Por mim ela teria feito voto de castidade para o resto da vida, você sabe disso.
– Bobagem, fale sério.
– André e Gustavo são mais velhos do que Sofia. Não saíram ainda de casa, não casaram e não fizeram filhos por opção deles – argumentei.
– Não mude de assunto. Seus futuros netos poderão acusá-lo de ter privilegiado Luana.
– Muito bem. E como eu poderei saber que nasceu o último neto para só então escrever um diário que contemple todos?
– Não sei. Só sei que isso pode virar um problema sério mais adiante.
– Você se preocupa demais, Rebeca. Não esquenta.
– E você é muito teimoso, Ricardo. Só me dá razão depois.
Acabamos por fazer um acordo. Na verdade, não consigo encerrar uma discussão com Rebeca sem antes lhe propor um acordo. E na maioria das vezes ela aceita. Eu recuo daqui, ela dali, e no fim encontramos uma saída satisfatória. Assim tem sido ao longo dos últimos 30 anos.
O acordo foi o seguinte: produzirei um disco para celebrar cada neto que vier depois de Luana.
Rebeca costuma dizer que sou o único produtor de disco pirata que perde dinheiro. Porque os discos que faço é para dar de presente. Ou então faço por encomenda de amigos.
Que tal um disco para induzir sua filha adolescente a achar que você é o melhor pai do mundo? Eu faço. Ou melhor: copio o que fiz para Sofia.
Fiz outro com a intenção de levá-la a concluir que a vida distante do pai é arriscada. Em uma das faixas apelei para Lupicinio Rodrigues:
“Esses moços
Pobres moços
Ah, se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que eu já passei”
Não funcionou. O primeiro disco funcionou – perguntem a ela.
Que tal um disco para se reconciliar com a sua mulher depois de um período de conflitos? Está na mão.
Disco para marcar a inauguração de salão de cabeleireiro? Fiz para Mônica, minha amiga, dona de dois salões no Recife.
Disco para celebrar 50 anos de idade? O que fiz para Guiga, um amigo baiano, foi disputado no tapa pelos convidados da festa dele.
Ainda não fiz disco para batizado, mas posso fazer. Em compensação fui DJ de velório. É sério.
Levei um monte de discos para o velório de um amigo e pus para tocar as músicas que traçavam uma espécie de perfil dele. Sua jovem viúva me agradece até hoje. Palavras dela:
– O falecido não era um homem tão sensível como você.
Rebeca não simpatiza com a viúva.