Dennys Guilherme dos Santos, Marcos Paulo Oliveira dos Santos, Denys Henrique Quirino dos Santos, Eduardo da Silva, Mateus dos Santos Costa, Gustavo Cruz Xavier, Gabriel Rogério de Moraes, Bruno Gabriel dos Santos, Luara Victória de Oliveira. Idades entre 14 e 23 anos. Nove vítimas da violência policial, do fim de semana, na chacina do baile funk na favela de Paraisópolis, em São Paulo, onde vivem 100 mil pessoas – pobres.
Morreram, diz-se, pisoteados enquanto a multidão fugia de um cerco policial ao Baile da 17, tradicional reunião de jovens da comunidade e vizinhanças. Os bailes funk são a opção de lazer disponível aos jovens pobres Brasil afora.
Os mortos de Paraisópolis são novas vítimas do excludente de ilicitude que vigora no Brasil desde muito e que agora, cinicamente, foi batizado e quer virar lei. Nada mais é do que autorização legal para que agentes públicos maltratem e matem sem responder por isso, sem qualquer punição.
Há quem apoie.
Nenhuma surpresa no país onde o absurdo é cotidiano e a vida é roleta russa para a maioria da população – os mais pobres, aí incluídos os moradores de Paraisópolis/SP. Para milhares de brasileiros, a volta para casa inteiro e vivo, todo dia, merece agradecimento ao divino: Hoje escapei. Glória a Deus!
Irmão siamês do abuso de autoridade, o excludente de ilicitude, ainda na informalidade, também permitiu que quatro ambientalistas, de Auter do Chão, no Pará, fossem presos porque apontados pela polícia civil como suspeitos de queimar a floresta, onde justamente atuam para protege-la. “Para garantir da ordem pública”, alegou o juiz ao autorizar a prisão, que só foi revertida porque a grita foi grande dentro e fora do país.
Por três dias, enquanto o juiz sondava a repercussão, os brigadistas voluntários da ONG Brigada de Auter estiveram em cana com tudo que isso implica – a cabeça raspada é o sinal visível do arbítrio e da humilhação.
Por que o magistrado, que já atuou como advogado da madeireira de sua família, não poderia acatar suspeição da polícia se outros de seus colegas já permitiram e divulgaram escuta telefônica à Presidenta da República?
Resposta: Excludente da ilicitude. Aquele drible gigante na lei só mereceu do Tribunal guardião da Constituição uma repreensão. O juiz virou ministro, defensor do excludente de ilicitude para, finalmente oficializar, a prática corriqueira dos abusos de autoridades.
Quem tolera e defende as ilegalidades oficiais alega que, sem os tais dribles na lei vigente e nos direitos humanos, não haveria – e não haverá – combate à corrupção e ao tráfico de drogas, principalmente.
Nessa toada, a Associação dos delegados da PF vai à Justiça pedir a suspensão da Lei do Abuso de Autoridade, aprovada pelo Congresso em agosto. A justificativa é que tal lei é retaliação da classe política contra a Operação Lava Jato.
Ou seja, no atual momento escuro do país, legalidade é apontada como empecilho – estorvo – para que autoridades servidoras das áreas de Justiça e segurança pública possam desempenhar suas funções. Querem, portanto, um salvo conduto para “tocar o terror”, como avisavam agentes da PM paulista dias antes do ataque ao baile funk em Paraisópolis.
Os apoiadores das flexibilizações para condutas de policiais e membros dos organismos fiscais e de justiça esquecem que quando autorizamos ilicitudes, praticadas contra adversários, desafetos, opositores, pobres, negros, índios e etc., também abrimos espaço para que elas, desembestadas, alcancem a todos nós.
Justiça não pode ser vingança. Polícia, em qualquer circunstância, tem que cumprir regras legais de conduta. A ninguém, por nenhum motivo, deve ser permitido não ser alcançado por lei ou tê-la flexibilizada.
As famílias dos mortos em Paraisópolis e as outras muitas vítimas da violência policial no Brasil exigem mais do que condolências. O que aconteceu lá foi chacina. Perpetrado por mocinhos ou bandidos, assassinato é crime. Exige punição. Dentro da lei.
Tânia Fusco é jornalista