
Nestes dias cavernosos de abril – sempre referenciais na história das crises políticas e institucionais do País – as grandes barragens e represas, de norte a sul e de leste a oeste do país, começam a abrir suas comportas, despejando águas que correm sinuosas e caudalosamente na direção do planalto central, figurativamente falando, é claro. Rumam para Brasília, que celebrou comedidamente – como pede este tempo da pandemia, que já matou mais de 280 mil pessoas no território nacional – 61 anos de fundação, no governo visionário e realizador do presidente Juscelino Kubtischeck; às margens do Lago Paranoá, onde começam nesta terça-feira, 27, os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, que tem como objeto principal apurar malfeitos nas ações e omissões do governo de Jair Bolsonaro, na tragédia sanitária nacional e na crise sem precedentes em que se transformou a pandemia da Covid-19 entre nós.
O mais são penduricalhos, de quem quer misturar alho com bugalhos. E confundir ainda mais a sociedade, já tão dividida e sem horizonte nítido a curto, médio e longo prazos. Salvo, nesta semana da histórica Conferência Mundial do Clima – convocada em caráter excepcional pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com a responsabilidade e urgência que o tema requer no combate contra a degradação do meio ambiente. No encontro, em ação virtual na web, marqueteira e retórica – mas raro ambiente onde o morador do Palácio da Alvorada parece transitar com desembaraço – Bolsonaro apostou alto em jogada arriscada: prometeu acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Em seguida, ao lado do ministro Ricardo Salles , passou o chapéu, em busca de recursos internacionais para a empreitada.
Mas, vozes da Casa Branca, logo emitiram sinais de ter percebido tentativa de blefe na jogada do capitão, e resumiram a impressão: o discurso é bonito, mas vamos esperar ações concretas e resultados significativos de que tudo não passa de retórica recauchutada, antes de soltar mais dinheiro no butim do planalto. Um balde de água fria no bolsonarismo, que parece ainda contar com o chapéu recheado de grana, da reunião do Clima, para se cacifar nos embates da CPI da Covid, com sobras para 2022.
E o País observa, mudo, os discursos com cheiro de naftalina, fabricados sem princípios e sem projetos, no qual o oferecido, até aqui, é a surrada disputa de poder “direita” x “esquerda”. E o mais desalentador: a sociedade fadada a escolher entre Lula e Bolsonaro, faces opostas da mesma moeda. Enquanto isso, os nomes mais prováveis da terceira via rasgam seda – Dória, Mandetta, Huck, Gereissat, Ciro e Eduardo Leite -, e deixam o tempo passar…
Conheço bem a força das águas represadas em grandes barragens – venho das barrancas do São Francisco – dos dias da construção da monumental hidrelétrica da Chesf, que iluminou o Nordeste. Eu estava lá. Eu vi, com meus olhos espantados e atentos de menino, aquele feito memorável de engenheiros, homens públicos e milhares de trabalhadores, sob condução de presidentes e governantes que proviam a construção de grandes e relevantes obras, e não faziam só devastar e destruir o que encontram já realizado, igual a hunos predadores,renascidos das sombras, da corrupção e do caos. Há sinais de que as águas das comportas abertas se aproximam do lago Paranoá, às vésperas de começar pra valer a CPI da Covid. A ver.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br