O Centrão, todo mundo sabe, é do tipo que vende a mãe mas não entrega. O Diário Oficial cheio de indicações da temporada não garante que, depois de um prazo regulamentar de governismo, os partidos do grupo não venham, lá na frente, a votar favoravelmente a um impeachment de Jair Bolsonaro – e ainda vão dizer que são amigos de Hamilton Mourão desde criancinha. No primeiro ato desse teatro, porém, o Centrão vem desempenhando um papel importantíssimo para todas as forças do espectro político. Muito além do Planalto, o verniz de governabilidade que seus integrantes estão dando a Bolsonaro serve a gregos e troianos do mundo político, dando-lhes a desculpa que precisavam para não levar a sério neste momento um processo de afastamento do presidente da República.
Na prática, nem as forças de centro e de direita que até ontem se aglutinavam em torno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e nem as de esquerda que estão na oposição querem que Bolsonaro seja derrubado pelo ex-juiz Sergio Moro – algoz de muitos de seus integrantes na Lava Jato e, portanto, um adversário a ser varrido do cenário. Seu raciocínio – e seu maior temor – é de que, afastado o presidente por um processo de impeachment aberto com base nas acusações de interferência na PF do ex-ministro da Justiça, Moro pode recuperar a aura de herói e passar a ser personagem irremovível do palco de 2022.
Nas coxias, governadores como João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) e outros pré-candidatos que se preparam para entrar em cena não querem disputar os votos do campo conservador com Moro. Não vão fazer força por esse impeachment, pois preferem brigar com um Bolsonaro desgastado pelo conjunto da obra das crises políticas de seu governo e pelo impacto da pandemia da Covid-19. Caso muito semelhante ao do PT de Lula e Fernando Haddad e de outras forças da oposição. Preferem ver Bolsonaro sangrar, mas ficar no cargo achando que pode se candidatar à reeleição e, com isso, dividir as forças de direita.
O establishment político sabe que as incertezas da pandemia do coronavírus – que nos levam a imaginar até se chegaremos vivos a 2022 – podem mudar fortemente esse enredo. Seus integrantes acreditam até que, em meio à forte recessão e aos atos insensatos quase diários que comete, Bolsonaro pode não conseguir mesmo concluir o mandato. Admitem, portanto, um impeachment no segundo ato dessa peça, lá para meados de 2021. Nesse cálculo, não seria, porém, um evento tão consagrador assim para Moro – que, além de tudo, vai estar desgastado por uma batalha perdida contra o Planalto se as investigações ora em curso não resultarem no afastamento, como parece.
Políticos – e juízes também – costumam ser excelentes atores. Dão a impressão de querer uma coisa quando às vezes o que querem é exatamente o oposto. Por isso, é bom ter olho vivo nessa função. Da euforia governista do Centrão aos indignados pedidos de CPI para investigar Bolsonaro com base nas revelações de Moro, é preciso dar o devido desconto ao que vem sendo dito e feito nessa encenação.
O fim do espetáculo ainda não foi escrito, e só teremos noção do desfecho a partir do comportamento da plateia – que, ao fim e ao cabo, é quem compra os ingressos e determina o sucesso ou não de uma montagem. Se ela continuar cochilando, meio apática, Bolsonaro fica no palco desempenhando seu papel canastrão. Mas se o pessoal, irritado e esfomeado, começar a vaiar, jogar ovos e tomates, porém, o The End promete ficar eletrizante.
Helena Chagas é jornalista