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Em cartaz, no Planalto, a nova versão da Ópera do Malandro

Como livrar-se de encrencas

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 17 jul 2020, 10h57 - Publicado em 17 jul 2020, 08h00

Na hora em que se descobre em apuros, ou o presidente Jair Bolsonaro recua e dá o dito pelo não dito como já fez tantas vezes, ou joga a culpa nos outros. Se não dá para jogá-la nas costas dos adversários de preferência, joga nas costas dos próprios auxiliares. E não se constrange em agir assim. E nem na intimidade com eles se desculpa. De corajoso não tem nada.

É como se comporta desde o seu tempo de soldado e de garimpeiro nas horas vagas, atividade que escondeu dos seus superiores. Como deles havia escondido seu plano de detonar bombas em quartéis em defesa de melhores salários para a soldadesca. E foi por isso que acabou afastado do Exército. Certa vez, o ex-presidente Ernesto Geisel referiu-se a ele como “um mal militar”.

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Em entrevista recente à GloboNews, o vice-presidente Hamilton Mourão tentou explicar por que Bolsonaro é o que é. “Ele encerrou a carreira em um posto, o de capitão, onde você é muito mais físico do que intelectual”. E acrescentou: “Quando você muda da parte do físico para a do intelectual… Ele não viveu esse momento dentro da carreira militar”. Entenderam o que Mourão quis dizer?

No prontuário de Bolsonaro guardado nos arquivos do Exército, consta que Cavalão (apelido dele na caserna) era bom de corridas a longa distância, da prática de esportes e de saltos de paraquedas. Parou por aí. Embora já tenha testado positivo duas vezes para o coronavírus, ele se apresenta como dono de uma saúde de atleta. Sobreviveu até a uma facada traiçoeira.

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No mais, nunca leu um livro na vida, do que se orgulha. É só intuição, astúcia, esperteza e malandragem. Pois o malandro, presidente acidental, mandou que a Advocacia Geral da União (AGU) desse um jeito no processo que ele responde na condição de réu por ter liberado a compra de munição em quantidades três vezes maiores pelos proprietários de armas registradas.

Podia-se comprar 200 unidades de cada vez. Pode-se comprar 600. E sabem por quê? Porque Bolsonaro quer armar o povo, como disse na reunião ministerial gravada de 22 de abril último. Armá-lo para impedir a implantação de uma ditadura no país – ditadura de esquerda, naturalmente. Deu até um exemplo:

– Um prefeito faz a porra de um decreto, algema uma mulher e deixa todo mundo preso dentro de casa. Se [o povo] tivesse armado iria para a rua. Eu quero todo mundo armado!

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Pouco antes, na mesma reunião, avisara em voz alta a Sérgio Moro, então ministro da Justiça, e ao general Fernando Azevedo, ministro da Defesa que a tudo ouviam calados: “Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria ainda hoje, que eu quero dar uma porra de um recado”. Missão dada pelo presidente da República, missão cumprida pelos dois ministros.

Acontece que, agora, em peça incluída nos autos do processo, a AGU alega que se existirem delito e culpa, Bolsonaro nada teve a ver com isso, nadinha. A portaria foi assinada por Moro e Azevedo, ponto. “Os atos administrativos praticados no âmbito dos dois ministérios não podem ser atribuídos pessoal e institucionalmente ao presidente da República”, ponto. Que tal?

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Pura malandragem, talkey? Malandragem misturada com falta de escrúpulos (“Às favas todos os escrúpulos”), deslealdade com subordinados que obedeceram às suas ordens, e covardia. Ontem, as vítimas foram Moro, que se demitiu e denunciou Bolsonaro, e Azevedo, que enfrenta a pressão dos comandantes militares para que não se curve a todas as vontades do chefe. E amanhã?

Vida longa a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, e Eduardo Pazuello, o general especialista em logística que responde há dois meses pelo Ministério da Saúde na condição de interino. Por seguirem sem discutir as orientações de Bolsonaro, foram elogiados por ele em sua live das quintas-feiras no Facebook. Não é necessariamente um sinal de que possam respirar em paz.

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