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Bolsonaro queima suas caravelas e vai para o tudo ou nada

Ou cairá mais adiante ou se fortalecerá como aspirante a ditador

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 19h04 - Publicado em 27 mar 2020, 08h00

Esta semana marcou uma virada sem retorno na trajetória do presidente da República. De causar problema político, a provocar conflitos e a desatar crises entre os Poderes na esperança de destruir a democracia e instalar uma ditadura no seu lugar, Jair Messias Bolsonaro passou também à condição de um grave problema sanitário que ameaça a saúde dos brasileiros.

Os próximos serão dias dilacerantes com a elevação dos casos confirmados de coronavírus e do número de mortos. E os dias mais trágicos ainda não terão chegado. Calculam técnicos do Ministério da Saúde que o pico da primeira onda da pandemia só se dará daqui a quatro semanas, coincidindo com o pico de mais duas epidemias: influenza e dengue. Tempestade perfeita.

Os Estados Unidos são o novo epicentro do coronavírus no planeta, ultrapassando em número de infectados a China, a Itália e a Espanha. Em Nova Iorque, nas últimas 24 horas completadas ontem à noite, morreram mais de mil pessoas. Há pelo menos meio milhão de infectados nos países que costumam remeter seus dados oficiais à Organização Mundial da Saúde.

Jamais se saberá com exatidão quantos de fato foram contaminados e quantos perderam a vida. É assim nas pestes. Aqui, cientistas desconfiam que os números estejam sendo achatados, por deficiência dos sistemas de registro, por falta maior de conhecimento da doença ou por razões ocultas que ainda não foram decifradas, mas que poderão vir a ser um dia.

Depois de estimular seus governados a circularem e se divertirem sem remorsos, o presidente populista de esquerda do México, uma espécie de Bolsonaro de lá, recuou assombrado e decretou a quarentena obrigatória. Menos mal, mas tarde. O prefeito de Milão admitiu que errou ao patrocinar uma campanha publicitária na qual garantiu que sua cidade não se fecharia. Fechou-se.

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Justamente agora, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República do Brasil, a mando dos filhos de Bolsonaro e com o seu aval, está prestes a lançar a campanha “O Brasil não pode parar”. Sentindo-se autorizados pelo presidente eleito com o voto de apenas 39% dos brasileiros, devotos do Mito marcam carreatas em apoio ao fim da quarentena bancada pelos governadores.

Em contraste, na França, onde o coronavírus matou 365 pessoas nas últimas 24 horas, o presidente Emmanuel Macron prorrogou o período de confinamento. O presidente Donald Trump, que havia dito que o confinamento no seu país só iria até a Páscoa, engoliu o que disse. Fez um acordo com o Congresso e gastará o equivalente a 6% do PIB para socorrer quem precisa.

Como perdeu o bonde da história por ignorância ou escolha pensada e repensada, Bolsonaro faz o contrário. Atrasa a liberação de recursos para os Estados, o anúncio de medidas para que não se esvaziem rapidamente os bolsos dos que vivem na economia informal, e sabota as providências tomadas em sentido contrário por seus próprios auxiliares, além de detratá-los.

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Por toda parte, a azeitada máquina bolsonarista de distribuição de notícias faltas e de produção de eventos se move para acirrar os ânimos e dividir o país, jogando uma parte dele contra a outra. Não importa que a grande maioria dos brasileiros diga apoiar a quarentena. Quem sabe a maioria não se desmanchará quando souber que a quarentena não acabará tão cedo?

Além da tempestade, teríamos então o crime perfeito: deixa-se que os velhos morram (menor pressão sobre a Previdência). E os mais pobres (menor pressão sobre outros gastos). Devolvem-se os jovens ao trabalho. Com salários reprimidos, naturalmente. Salvam-se os que por sorte se salvaram ou por dispor de renda que pagou melhor atendimento. Seleção das espécies.

Do desprezo de Bolsonaro pela vida alheia, do seu absoluto despreparo para exercer a função que exerce, o país teve mais uma vergonhosa amostra quando ele afirmou ao rebater a suspeita de que a pandemia causará grande estrago: “O brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele.”

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A Agência Brasileira de Inteligência, órgão do governo, preveniu a tempo Bolsonaro para o que estava por vir – ele não ligou ou não quis ligar ou começou a pensar sobre a vantagem que poderia retirar disso. A agência opera com vários cenários – o pior, de colapso total e rápido do sistema de saúde, da fome que possa matar os desassistidos, de saques e de convulsão social.

É tudo o que almejam Bolsonaro e os que compartilham dos mesmos propósitos. Esperam que em nome do restabelecimento da ordem possam, enfim, apelar para os militares. Dificilmente o Congresso aprovaria a decretação do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio. Mas Bolsonaro e sua malta já se contentariam com sucessivas e localizadas operações de Garantia da Lei e da Ordem.

Realizadas por ordem expressa da Presidência da República, as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem. O Exército é despachado para lugares que exijam sua presença por tempo determinado. Para os Bolsonaro já estaria de bom tamanho.

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Em meio a uma epidemia do tamanho desta, que obriga o Congresso e a Justiça a funcionarem virtualmente, não se remove um presidente do cargo via processo de impeachment, que é demorado. Os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff só caíram quando o povo foi para as ruas. Nem se quisesse, o povo agora iria. Panelaço faz barulho, mas não derruba presidente.

O que fazer com Bolsonaro que nem sob a pressão da farda renunciará? No passado, ele afrontou a farda ao planejar jogar bombas em quartéis. Afrontou ao cobrar o título de capitão em troca do seu afastamento do Exército por indisciplina e conduta antiética. Os generais fizeram cara feia, mas aceitaram a oferta. Resultado: hoje, batem continência para ele.

O desejo de Bolsonaro de ser promovido a ditador não será satisfeito pelas Forças Armadas. Não se conte, porém, com sua ajuda para que Bolsonaro peça o boné e vá para casa. Caberá aos civis de todas as cores que abominam as trevas desatarem esse nó.

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