Cena da semana: um saltitante governador dando murros no ar na ponte Rio-Niterói para comemorar o abate do jovem Wilson Augusto Santos, sequestrador de um ônibus com 39 passageiros. O ex-juiz Wilson Witzel, na condição de mandatário-mor, vibrava ao fim da tragédia, convencido de que acertou na sua orientação à segurança pública: “mirar na cabecinha e… fogo… matar o bandido! Para não errar”.
Deu certo. Esgotados os recursos para a dissuasão do sequestrador, restava o tiro. Foram seis. A imagem de sua Excelência se destacou pela extravagância. Ainda que se justifique a ação policial, comemorar a morte de um sequestrador é inapropriado para quem deveria conservar traços da nobre missão de administrar a justiça. Witzel se mostrou mais Rambo do que ex-juiz.
Essa estampa de violência levou um dos maiores juristas do país, o desembargador e professor de Direito Penal Walter Maierovitch, a lembrar o horror de Auschwitz, no qual os nazistas mataram 1,3 milhão de pessoas em seu maior campo de concentração. O populista Witzel ou o Auscwitzel?
O Rio é uma praça de guerra. No primeiro trimestre deste ano, 434 pessoas foram mortas por intervenção policial. Média de sete por dia, maior número desde 1998. A política de segurança pública tem se guiado pelo mote: “matar ou matar. Bandido bom é bandido morto”. A doutrina, encampada pelo presidente da República, desce como uma gigantesca cortina de sangue sobre o território, abrindo os portões dos cemitérios.
Foram 65.602 homicídios em 2017, aumento de 4,2% em relação ao ano anterior. Número recorde, equivalente a 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes – mais do dobro do Iraque, segundo a Organização Mundial da Saúde. A entidade considera epidêmicas taxas de homicídio superiores a 10 a cada 100 mil habitantes. Até o final do ano, devem estourar.
A “guerra civil” carioca mata três vezes mais que a violência nos Estados Unidos e mais que os conflitos étnicos. Em 30 anos, o número de mortos chega a mais de 1,2 milhões.
Nas prisões-depósito, germinam-se novas formas de violência, enquanto as gavetas se entopem de mandados de prisão de outros milhares de bandidos soltos nas ruas.
A brutalidade jorra e as paliativas soluções governamentais estão longe de um crescimento proporcional. Os cinturões metropolitanos, já saturados de lixões que ofertam um banquete pantagruélico para urubus, crianças e mães famintas, também servem para a exibição de corpos chacinados.
O Brasil está se tornando um dos maiores assassinos da humanidade. Pior: a violência aumenta a insegurança.
Sem ânimo, emoções envenenadas pelo vírus da angústia, os cidadãos entram no limbo catatônico. E assim o mais rico país do mundo em recursos biológicos se transforma no mais fértil país do mundo em registros necrológicos.
Nessa paisagem emerge o saltitante governador com sua estética nesses tempos macabros. E onde está a índole do juiz que Bacon tão bem descreveu? “Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspetos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza“.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político