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O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Apóstolos da discórdia (por Hubert Alquéres)

Alguns governantes não estão à altura das exigências do momento

Por Hubert Alquéres
Atualizado em 30 jul 2020, 19h05 - Publicado em 18 mar 2020, 11h00

Nas grandes crises cada governante mostra seu tamanho. Alguns se agigantam e outros se apequenam. Winston Churchill, um dos maiores estadistas do século passado, uniu os britânicos na Segunda Guerra Mundial ao não escamotear a gravidade da crise e oferecer apenas “sangue, suor e lágrimas”. Emmanuel Macron adotou postura semelhante com seu discurso “Estamos em “Guerra””. O presidente francês está unindo seu povo em uma batalha que será dura e prolongada.

O verdadeiro estadista é o que entende o sentido de emergência em uma grave crise, deixa para trás divergências e promove a união nacional. Na Segunda Guerra o inimigo comum foi o nazismo. Hoje é a pandemia causada pelo coronavírus.

Às vezes a necessidade de unir a nação impõe renúncias. Macron, por exemplo temporariamente abriu mão de sua reforma da previdência por ser um óbice para o consenso dos franceses, em uma hora tão dramática.

Nem todos os governantes são estadistas. Mas entre quem tem essa estatura e quem deixa exposta a sua mediocridade há cinquenta tons de cinza.

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Vejamos Donald Trump. Derrapou nos primeiros quinze dias subestimando os riscos do Covid-19, mas soube se reposicionar. Adotou medidas drásticas e encontrou um terreno comum entre democratas e republicanos no combate à pandemia que dizima milhares de vidas e arrasta a economia mundial para uma recessão de graves proporções.

Sim, diferenças aparentemente intransponíveis podem ser superadas com empenho e liderança. Em pouco mais de um ano Israel passou por quatro eleições, diante da impossibilidade de ter um governo estável. Pois bem, o vírus levou Benjamin Netanyahu e a oposição ao entendimento em torno de um governo de união nacional.

Nas grandes crises alguns governantes não estão à altura das exigências do momento. Neville Chamberlain era o homem errado no lugar errado, no limiar da Segunda Guerra Mundial.

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Hoje é o presidente Jair Bolsonaro que se candidata a esse papel.

Nesse momento tão crucial sua grande missão seria promover a união dos brasileiros em torno da defesa da saúde e da economia nacional. A sobrevivência de muitos brasileiros está ameaçada pela pandemia. É dever do presidente defendê-los.

Bolsonaro, entretanto, dedica-se à missão de dividir os brasileiros e os poderes da República, comportando-se como um artesão da discórdia. Irresponsavelmente atenta contra a saúde pública ao estimular e participar de manifestação de rua. Não satisfeito, diz que vai comemorar seu aniversário com uma “festinha” no próximo sábado. Despreza as recomendações de seu ministro da Saúde!

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Mais grave, soma sua voz a de outros apóstolos da cizânia, como o bispo Edir Macedo, para quem o coronavírus é obra de satanás. Enquanto a negação da realidade se limitava ao terraplanismo, apenas caia no ridículo. Mas quando ela põe em risco a saúde das pessoas é gravíssima. É uma postura obscurantista, que menospreza os riscos da pandemia.

Ontem Bolsonaro voltou a repetir que tudo não passa de uma onda de histeria. Se é assim, por que sua equipe econômica pediu para o Congresso aprovar a decretação de estado de calamidade? O ministro Paulo Guedes estaria contaminado pelo histerismo?

A saúde do presidente também não é uma questão particular, diz de perto a todos os brasileiros, mas, na sua paranoia, considera como golpe o seu isolamento, mesmo quando ditado por razões médicas. Sua leitura conspiratória vê por traz de tudo uma ação desestabilizadora do Congresso e da Suprema Corte para apeá-lo do poder.

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O Parlamento comete derrapadas, como a criação de uma nova despesa de vinte bilhões ao ano. O STF também não é ingênuo. Mas vamos ser honestos, não são eles os agentes da cizânia. Quem está desempenhando esse papel, com objetivos ainda impossíveis de descortinar, é Bolsonaro.

Exemplo disso foi a reunião entre os presidentes de dois poderes com o ministro da saúde: fato inimaginável num regime presidencialista. Mas a presença do primeiro mandatário tornou-se dispensável porque ele simplesmente não soma. Ao contrário, divide.

O presidente está se auto isolando politicamente. Por motivos ideológicos veste a armadura ideológica do seu bolsão mais radical, governando apenas para ele. Propositadamente, tenta confundir a nação valorizando as manifestações que reuniram poucas pessoas no domingo; que foram às ruas para defender que o coronavírus é mentira e atentar contra os outros poderes da República.

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Não se combate pandemia e recessão com ideologia. Muito menos promovendo a dissídia entre os brasileiros. O país dispensa os apóstolos da discórdia.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação e escreve toda 4ª feira no Blog do Noblat do site da revista Veja.

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