
O governo Bolsonaro vive dificuldades incomuns ao início de mandato, quando o capital eleitoral do presidente eleito costuma garantir-lhe crédito político pelo menos durante o primeiro ano, mesmo em tempos de alguma turbulência.
Ontem o presidente fez saber, ao endossar texto de um analista financeiro, que atribui tais dificuldades à soma da atuação das corporações e de uma política viciada praticada pelo Legislativo – e que não se submeterá a nenhuma das duas.
O diagnóstico do autor do texto, o analista financeiro Paulo Murtinho é tão correto quanto conhecido, pois já fez parte das queixas de outros presidentes. De fato, as corporações de todas as naturezas impõem seus interesses a governos e eleitores, tornando a reputação do comando presidencial mera lenda política.
Como diz o autor do texto, vota-se na esquerda ou nos liberais e percebe-se no curso do mandato do eleito que ele nada ou pouco pode contra essa força corporativa. Quanto ao Congresso, luta contra a tentativa de criminalização da política, consequência de décadas de conduta fisiológica.
É na mensagem em que compartilha o texto de Murtinho que o presidente emite sinais preocupantes. O primeiro, ao mostrar-se impotente diante do diagnóstico; o segundo, ao recorrer à população como alternativa para vencer os obstáculos a que se propôs como candidato, de refundar o modelo político e administrativo do país.
Reafirma assim a distância a que se determinou do Congresso Nacional, em nítido desapreço à democracia representativa, explicitando a preferência pela democracia direta, o que o torna mais Collor do que Jânio, – um populismo mais do enfrentamento que da renúncia, que faz o país andar em círculo.
Não por acaso, o Congresso decide de forma gradual, mas rápida, aceitar a responsabilidade do processo, convencido de que não há nem disposição e nem capacidade política no presidente para fazer avançar sequer sua própria pauta política.
Ontem mesmo, enquanto a mensagem do presidente repercutia principalmente no mercado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ocupava-se em acertar com as lideranças partidárias um texto próprio de reforma da previdência, o que a tira efetivamente do controle da área econômica, com provável redução de seu alcance original.
Bolsonaro deixou ao Legislativo a responsabilidade por medidas que propôs, excluindo-se publicamente de qualquer articulação, a pretexto de não reeditar o famigerado toma-lá-dá-cá que prevaleceu em gestões anteriores.
Ao fazê-lo não só de forma integral, mas também crítica, associa-se ao esforço de condenar a política como forma elementar de produzir mudanças e promover o desenvolvimento econômico e social.
Seu governo exerce com tal intensidade esse método, que não existe uma cadeia de comando real. Ministros são desautorizados com frequência, assim como os parlamentares aliados que já não têm mais constrangimento em admitir essa realidade.
É nesse contexto, que a possibilidade de impeachment, impensável no caso de um governo recém-eleito, passou a ser tratada com inusitada naturalidade no ambiente legislativo, onde até a oposição está atordoada com a deterioração precoce do capital eleitoral e político do presidente.
O problema é que a destituição de governos ante o fracasso político, é uma dinâmica parlamentarista, que o Brasil começa a viver pela via traumática, pois se assenta em uma constituição híbrida, que não formaliza outros aspectos do regime. Nesse desenho, simplesmente destitui-se o presidente.
Não é possível prever os próximos capítulos desse enredo, a não ser pela consequência de um Legislativo mais autônomo, mas também refém de ampla desorganização partidária, e uma intranquilidade grave no mercado, cujos atores já transferem investimentos para portos mais seguros.
João Bosco Rabello é jornalista há 40 anos e sócio-editor do site Capital Político (capitalpolitico.info)