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A roupa branca de Guedes (por Paulo Delgado)

Passividade de viuvez indiana

Por Paulo Delgado
Atualizado em 30 jul 2020, 18h58 - Publicado em 27 abr 2020, 10h00

A enxurrada de notícias ruins dos últimos dias não deveria ser outra coisa senão as ações e paixões dos seres humanos na vida em sociedade. Os costumes políticos são impostos por homens com garras. As regras, boa palavra, nunca foram entre nós o ponto de partida. Quem quiser entender nossa história procure com afinco personagens do passado. Os dos últimos dias não nos ensinam muita coisa, salvo a má fisionomia do espírito de nosso tempo adoecido.

Da queda de Mandetta por nada, apenas por defender a saúde, à delação premiada de Moro por sentir que tudo conspirava contra a justiça, à eficiência surpreendente de Aras como se tivesse familiarizado com o bater do relógio, tudo é tão incompreensível como a passividade de viuvez indiana da camisa branca de Guedes. Mas reunir todos os ministros para justificar a demissão de um é declarar guerra à credibilidade de sua própria decisão.

O presidente deve achar que a raiva é um veneno que mata o outro. Não, a raiva é um sintoma, um monstro cheio de olhos que o discurso presidencial revela. Primeiro pela plástica do palanque, um sinal de desespero pela verdadeira aglomeração sem etiqueta ou protocolo. Um comichão que tenta ser autêntico, mas francamente não é sofrido. A voz parece cheia de poder, mas para quem sabe que o poder já é uma taça vazia.

Como ninguém pode viver no passado o discurso, no entanto pode. É repetitivo ver discurso oficial de presidentes brasileiros, um dos países mais ricos do mundo, tentar ser intimista e não significar nada para nosso povo. Parecem ser discursos de encomenda, na maioria das vezes para amigos. Mas ver um presidente chamar filho por número é a primeira vez. E não se encaixa no sistema de potências que tanto orgulha nossas Forças Armadas.

Os militares brasileiros são intelectuais, estrategistas, seu Alto Comando e hierarquia é sofisticado e sabem bem que nenhuma camaradagem populista inspira reverência no mundo civilizado. Vira piada de salão. O que temo é o mais perfeito cenário de penumbra, medo e frio neste início de inverno.

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Por último, mas não menos importante, se quer ser ouvido é preciso mandar parar imediatamente com a ideia de Brasil 30 anos ou, seja lá como chamam tal disparate. O estrangulamento externo, a recessão interna, a pandemia e o ambiente político de conflito exigem sim mudança temporária na gestão da economia na crise, mas não mudança de filosofia da economia a longo prazo.

Ora, não é o modelo econômico que o vírus contaminou. O apetite do mundo para gastos emergenciais é uma realidade aceita e não precisa de muitos discursos para colocá-la em vigor. Se as conexões do governo com o mundo econômico são fracas é um agravante pior inventar um plano econômico sem a equipe econômica presente.

Aviso ao Palácio. O que vai acontecer é que ninguém vai ajudar ao Brasil a se salvar se a política econômica emergencial não tiver relação com a pandemia. Foram importantes os 600 reais. Porém, para não precisar de mais é urgente ajudar os empresários brasileiros a manter de pé seus negócios. Só o fato de querer impor ao país qualquer coisa para daqui a 30 anos justifica Guedes ser o único de branco e máscara naquela foto.

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Paulo Delgado. É professor, sociólogo e consultor de empresas. Foi constituinte de 1988 e exerceu mandatos de deputado federal por Minas Gerais de 1986 a 2011. Articulista regular d’O Estado de São Paulo e assina a coluna de politica internacional dos Jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. É colaborador do Capital Político.

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