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A boiada passa…(por Tânia Fusco)

Brasil pode anular três décadas na caminhada de pais e professores para o direito real à educação formal - para todos

Por Tânia Fusco
Atualizado em 18 nov 2020, 19h55 - Publicado em 6 out 2020, 14h00

Caio é um adolescente incrível – bem humorado, sagaz, risonho, apaixonado e especialista em futebol, corintiano raiz, judoca com dois anos de prática e faixa cinza de ponta branca, conquistada no chão duro dos tatames. Adora dançar. É curtidor de funk, sertanejo, rock, musica latina e samba. Faz teatro, adora cinema e balada. Tem 16 anos e, com muito orgulho, cursa o primeiro ano do ensino médio. Tem certeza, chegará à faculdade de Educação Física para ser técnico de futebol. “O primeiro treinador/professor down do mundo”, promete.

Desde a pré-escola, Caio estuda em escolas inclusivas, particulares. São poucas, com poucas vagas. Umas melhores, outras nem tanto. Algumas aceitam o aluno especial, mas estão longe de cumprir o prometido – a inclusão de fato. Nessas, o “incluído” é sempre tratado como café-com-leite, aquele que aprende menos, aquele escanteado no esforço de ensinar. Caio já viveu isso. Sentia e se rebelava. “Por que eu tenho que ficar fazendo desenho de criancinha quando os outros estão na aula de inglês?”

A família vai atrás, cobra. Quando não resolve, procura outra escola. Tarefa difícil no país onde, ainda que a lei exija, há o famoso jeitinho de fazer que está cumprindo, sem cumprir de fato.

Felizmente, na seara pública e privada, há escolas e profissionais, empenhados na inclusão de fato. Dedicação que é sempre premiada com bons resultados. “Eu gosto de aprender de verdade”, explica Caio, que adora ter notas altas. E tem.

Para trazê-lo até o ensino médio, a família e ele esbarraram em obstáculos de muitas ordens – preconceito, discriminação, má vontade, descrença, às vezes, desqualificação, booling, descaso e até deboche.

Coisas como ser informado que determinado colega deixou a escola porque a família não aceitava que o filho estivesse em sala de aula com “crianças assim”.

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Deve ter sido para atender a essa gente que, na contramão de todos os princípios da educação moderna, na semana passada, foi publicado decreto presidencial incentivando a criação de salas e escolas especiais para “crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, como autismos e superdotação”.

Ou seja, eles precisam voltar ficar à parte, separados dos ditos normais. Com o novo decreto modelo bolsonazi as poucas escolas inclusivas – publicas e privadas – de poucas vagas, estarão desincentivadas e desobrigadas de investir na integração dos diferentes, dos que demandam maior capacitação dos professores, mais esforço e paciência no processo de aprendizado.

A legislação tem papel fundamental na promoção da integração social e no desenvolvimento intelectual de pessoas com deficiência ou com altas habilidades. Sim. Os superdotados também têm dificuldades para inclusão.

Desde 1988, quando ficou assentado na Constituição que a educação é direito de todos, independente de condição física, intelectual, social, política ou religiosa, leis, decretos e resoluções foram definindo e abrindo portas para a educação inclusiva. Os resultados são positivos para todos.

A diversidade enriquece os processos de educação e de conhecimento. Mas, numa penada, o Brasil pode anular três décadas na caminhada de pais e professores para o direito real à educação formal – para todos, em todas as escolas, até o nível superior.

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Com a nossa complacência, a boiada vai tratorando a diversidade. O objetivo é a eugenia de inspiração nazi. Só pode.

Caio sonha com a universidade. Sabe das suas dificuldades e as encara. Sabe tanto que, ao ser elogiado porque cantou bem, diz: “Menos. Eu ainda tenho que melhorar muito pra cantar bem de verdade.” Sabe que não é convidado para todas as festas de aniversário de colegas porque é diferente. “A vida é assim”, simplifica.

Talvez nem sofra por isso. Já entendeu que o mundo é um pouco mais difícil pra ele. Mas vai que vai, confiando que tem espaço para ser o que quiser. Feliz, lê, copia e repassa notícias sobre downs – meninos e meninas – que são campeões de várias modalidades de esportes, dos que são professores, advogados, artistas, bailarinos, modelos e etc.. Deve entender que são os que tiveram – e têm – mais respeito, mais oportunidades.

Caio não sabe ainda que, parece, o Brasil tem caveira de burro enterrada. Cada período de avanços – sociais, políticos e econômicos – é seguido de retrocessos, desmandos e descasos, que levarão anos para serem eliminados.

Por enquanto, Paulo Freire que nos perdoe a indigência desses tempos bicudos.

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Tânia Fusco é jornalista

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