Ao incitar os protestos no Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, em Washington, na quarta-feira 6, contra a confirmação de sua derrota nas urnas, o presidente Donald Trump se tornou uma espécie de líder de seita radical e se afastou do mundo político que o elegeu em 2016. Entre outras consequências, a sua conduta causou uma ruptura dentro do seu partido — o Republicano —, bem como reforçou a rejeição a si próprio em boa parte do establishment americano, onde ele já teve importantes aliados. E, ainda, impulsionou um pedido de impeachment, que pode afastá-lo da vida política.
Por causa dos acontecimentos, o presidente dos Estados Unidos foi banido das redes sociais. Considerando o histórico de seu comportamento e sobretudo a sua incrível habilidade para criar polêmicas, bani-lo das redes pareceu sensato e adequado. Afinal, se Trump as utiliza para pregar a desordem institucional, ele estaria cometendo um crime, e as redes sociais poderiam ser acusadas de cumplicidade se ficassem omissas. Mas esta não é uma questão trivial.
Muitos questionam, por exemplo, por que as redes sociais não atuaram da mesma forma em outras circunstâncias. E, ainda, por que páginas que exaltam atos terroristas são mantidas no ar. Até pouco tempo, as redes sociais se recusavam a tomar uma atitude contra a disseminação de conteúdos impróprios. Afirmavam que não eram veículos de comunicação e que não seriam responsáveis pelas postagens. A realidade tem mostrado que essa postura está mudando, o que é bem-vindo. Porém, gostar ou não de Trump não deve ser o parâmetro para tal mudança.
“Não podemos deixar apenas ao arbítrio das plataformas o poder de cancelar contas, sem haver limites e parâmetros claros”
O tema vem sendo tratado de forma periférica e inconsistente em nosso país. Mesmo a imprensa, que é rigorosamente regulada, tem postura ambígua em relação ao controle das plataformas digitais. Mas o Brasil deve estar atento aos desdobramentos do que ocorre nos Estados Unidos, tendo em vista a influência das redes no debate político. Aliás, o clima político no país indica que as redes sociais continuarão a ser usadas intensamente nas eleições gerais de 2022.
No Brasil existe, claramente, discriminação no tratamento jurídico dado aos veículos de comunicação e às plataformas de redes. E o país acaba dependendo apenas do bom senso dessas últimas para evitar que usuários mal-intencionados incentivem atos criminosos no ambiente on-line. Porém, não podemos deixar apenas ao arbítrio das plataformas o poder de cancelar contas sem a existência de limites e parâmetros claros e constitucionalmente consistentes.
Pois, ao tratar do assunto, devemos evitar atitudes que ameacem a liberdade de expressão. O tema foi objeto de intenso debate quando estive no Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Entendo que a única forma de resolver o desafio de controlar a disseminação de atos criminosos pelas redes sociais preservando, simultaneamente, a liberdade de expressão é responsabilizando quem posta informações que induzam e promovam ações criminosas. É a forma correta de proteger a democracia. Tudo com o amparo da Justiça, que deve atuar de forma proativa quando evidenciada a prática de crimes pelas redes sociais.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721