O último a sair apague a luz: a crise energética é global e assustadora
Da China à Europa, obviamente passando pelo Brasil, escassez de fontes de energia segura a recuperação pós-pandêmica e inspira medo em grande escala
Luzes apagadas nas ruas, elevadores desligados, trabalhadores hospitalizados por monóxido de carbono quando sistemas de ventilação param de funcionar e, principalmente, fábricas paradas. Nas províncias chinesas mais afetadas pela crise energética, há cenas de arrepiar. E de espalhar o medo pelo planeta inteiro.
Se a ficha eventualmente demorou a cair, restaram poucas dúvidas depois que a Goldman Sachs rebaixou a previsão de crescimento do PIB da China este ano de 8,2% para 7,8%.
As ondas de choque se espalharam pelo planeta inteiro — e as preocupações vão muito além da possível falta de iPhones para o Natal, devido às interrupções nas cadeias de produção. Segundo a análise do Goldman, nada menos que 44% da atividade industrial chinesa está sendo afetada pela crise energética. E os apagões já estão lançando nas trevas as regiões mais atingidas.
Se a China cresce menos, a economia do mundo inteiro fica menor.
Falar em tempestade perfeita virou um lugar comum quando uma multiplicidade de fatores se une para insuflar uma crise daquelas. No caso, o lugar comum aplica-se plenamente.
Entre os elementos da crise atual, alinham-se a retração de investimentos em fontes energéticas quando a pandemia parou quase tudo no ano passado, refletindo-se na oferta menor depois que a a recuperação econômica em V saiu disparando na frente dos fornecedores.
Tem mais: um inverno rigoroso de 2020 para 2021 diminuiu os estoques de gás usado na calefação, uma queda que coincidiu com o aumento da demanda com a retomada plena das atividades depois do confinamento em massa. E grandes produtores, como a Rússia, estão prevendo exportações menores.
O preço do gás no Reino Unido aumentou nada menos que 400%. Europa e Ásia passaram a competir pela produção de gás dos grandes fornecedores, Estados Unidos, Noruega e Rússia.
A eletricidade subiu até 250% e o barril de petróleo foi de 50 para 80 dólares, o nível mais alto em três anos. Até a falta de ventos — e de chuva, no caso do Brasil — está prejudicando a produção de energia na Europa.
No Reino Unido, a tormenta bate forte, alimentada pela falta de caminhoneiros para levar combustível até os postos. A falta de gás já provocou a paralisação de indústrias de fertilizantes. Falta dióxido de carbono, usado para o abate humanizado de animais para consumo, e produção de gelo seco para o transporte de alimentos.
Na ponta final, supermercados britânicos estão com menos oferta de frango, presunto, refrigerantes carbonatados e sorvete. A rede Ocado, que salvou a pátria de tantos britânicos com os produtos fornecidos em domicílio durante a pandemia, suspendeu a entrega de alimentos congelados por falta de gelo.
As jogadas geopolíticas — energia é poder, todos sabem — também estão entrando no quadro. O principal executivo da rede de gasodutos que passam pelo território ucraniano, Yuriy Vitrenko, já avisou que a Europa vai tremer de frio. No ano passado, disse, a Gazprom russa reservou capacidade para a passagem de 60 bilhões de metros cúbicos de gás. Este ano, reduziu para 40 bilhões.
Como nacionalista ucraniano, ele define a manobra como pura “chantagem”: Vladimir Putin quer a aprovação rápida do gasoduto Nord Stream 2, que atravessa o Mar Báltico, colocando a Alemanha na palma de sua mão. Vitrenko acha que quando a Europa não puder mais viver sem o gás russo, Putin estará livre para incitar seus apaniguados separatistas no leste da Ucrânia.
“Se houver uma guerra, tudo o que ouviremos dos líderes políticos europeus serão manifestações de ‘profunda preocupação’, mas a Rússia não tem medo de ‘profunda preocupação’”, especula.
Uma crise apenas remotamente parecida com a imaginada pelo ucraniano criaria uma debacle energética de proporções aterradoras.
Do tamanho que está — e que ficará com a chegada do inverno no hemisfério norte —, já é de arrancar os cabelos.
De Brasília a Beijing, não deveria haver preocupação maior na cabeça dos governantes.