Google lascado: homens são mais inteligentes que mulheres?
Tudo o que a megaempresa não queria era provocar um debate sobre diferenças entre sexos, mas foi o que fez ao endossar a cegueira politicamente correta
Política, religião e sexo, ou preferências sexuais, são assuntos que dão briga em qualquer discussão em volta de uma mesa. Mas quem quiser realmente tocar fogo no jantar em família ou entre amigos sabe muito bem que basta fazer cara de inocente e provocar: quem é mais inteligente, o homem ou a mulher? Cristãos, budistas, muçulmanos ou ateus? Brancos ou negros?
James Damore tocou fogo num metafórico jantar mundial. A pergunta que fez não era sobre inteligência, mas sobre a influência de aptidões biológicas de homens e mulheres na quantidade muito maior dos primeiros em postos de comando do Google.
Por causa disso, o engenheiro de software de 28 anos com cara de 18, roupa, cabelo e vocabulário de geek, foi demitido da empresa que amava. Em poucos dias, passou a chamá-la de Goolag, uma brincadeira com o gulag, o sistema de campos da antiga União Soviética onde eram internados os dissidentes.
Na vanguarda do pensamento politicamente correto, aplicado, no caso, através de seminários internos em que é inculcado o mantra da total e absoluta influência cultural sobre o número menor de mulheres na empresa – 20% do total -, o Google se engasgou.
O gigante tecnológico ao qual entregamos nossas vidas nos mais recônditos detalhes se viu no lugar menos desejado por qualquer empresa: no meio de uma fogueira de opiniões enfurecidas.
Na maioria, sem nenhuma relação sobre a proposta inicial de Damore, de debater o peso de fatores genéticos nas diferenças de preferências entre os sexos. Ou seja, discutir a permanente, intrigante e instigante questão da influência da “natureza” e a da “cultura” no comportamento humano.
Fogueira pós-moderna
Os pró-Google colocaram a empresa como defensora sem igual da valorosa e justa luta contra os preconceitos de sexo (gênero, na linguagem politicamente correta). Os anti-Google viram fogueiras da Inquisição pós-moderna incinerando a liberdade de expressão, como já acontece em ampla escala nos meios acadêmicos.
Os extremamente céticos – e ceticismo em excesso também perturba o raciocínio – enxergaram apenas mais uma manobra esperta, comum entre os leviatãs da indústria high tech, de fazer um discurso extremamente liberal para disfarçar práticas como uso distorcido de mão de obra mais barata, magia negra fiscal e pavor a tudo que ameace o monopólio advindo com seu pioneirismo.
Existe um pouco de verdade em todas as reações, mas o erro essencial ainda está no comportamento do Google. Avaliou de forma equivocada o agora famoso ou infame memorando de James Damore, atribuiu-lhe desvios inexistentes do Código de Conduta que toda empresa tem direito de estabelecer e conduziu de maneira desastrosa a encrenca toda.
O presidente executivo Sundar Pichai demonstrou que não tem uma das mais importantes qualidades dos verdadeiros líderes: ir contra a opinião da maioria quando a maioria erra, exagera ou, claro, exige as fogueiras da Inquisição.
Geniozinho atacado
Pichai, um indiano de minoria tamil, afinou numa das questões que envolvem o próprio fundamento existencial do Google: o livre debate de ideias.
A empresa que, de muitas maneiras, determina prioridades no acesso à informação, não pode demitir, com base em argumentos distorcidos, um funcionário que contesta suas políticas exatamente sobre a liberdade de discussão.
Damore, que tem um currículo estelar e qualificação para falar no assunto – Harvard, Princeton, MIT, com doutorado em biologia de sistemas -, não estava, evidentemente, preparado para o bafafá de alcance mundial.
E o mundo fora da biologia de sistemas e da programação de software, à qual ele chegou através de um dos “testes para geniozinhos” feitos pelo Google para selecionar talentos, pegou o rapagão de surpresa.
Damore andou celeremente para o lado que o apoiou, a direita mais militante, e foi soterrado em sua razoável ideia inicial de distanciamento crítico e uso de argumentos científicos. Atacado brutalmente pela elites sedentas de fogo purificador, virou uma paródia de si mesmo.
Foi acusado até de “ofender colegas” por brincadeiras feitas num encontro de alunos e professores de Harvard. Sua piadinha de geek fazia uma vaga associação entre o título da obra de um dos professores e uma prática auto-erótica.
Virtuoso dominicano
Por que chegamos todos a uma situação em que é herético dizer que os cérebros das mulheres e dos homens têm diferenças, na maioria plasmadas pelos banhos de hormônio ocorridos durante a gestação? Diferenças que não implicam em afirmar que uns são mais ou menos inteligentes do que umas?
Primeiro, é óbvio, porque o mundo das ideias ao tentar descongestionar o peso das diferenças criadas pela sociedade, em propostas perfeitamente justas, bateu com a realidade e afundou na insanidade oposta, de valorizar a vitimização.
Não é preciso nem relembrar aqui todos os casos da história mundial em que o desejo de fazer o bem acabou produzindo o mal – incluindo-se aí o virtuoso dominicano Savonarola.
Segundo, porque a Ciência não opera na esterilidade absoluta e sim na sociedade. E ainda mais numa questão complexa ao nível da toxicidade, como a extrema simbiose entre biologia e cultura.
E terceiro porque inteligência é um atributo extremamente valorizado. Ninguém quer ficar mal na competição de “quem é mais inteligente”.
Dá para responder esta pergunta? Há respostas intrigantes. Basta olhar a maioria das listas que avaliam países por índices de inteligência. Como as listas, em si, são furiosamente contestadas, qualquer uma com algum embasamento pode ser usada.
E em praticamente todas elas países asiáticos aparecem na frente. Num conhecido site de testes de QI, os seis primeiros lugares são de Hong Kong, Cingapura, Coreia do Sul, Japão, China e Taiwan (a Itália aparece em sétimo). Quatro, portanto, com população majoritariamente chinesa.
Competição de QR
Onde estavam estes países há setenta anos, um nada em termos históricos? Destruídos por guerras e revoluções, pobres, atrasados e até famélicos.
Assim que os pais tiveram a chance de colocar seus filhos para estudar, esses diferentes países deram saltos qualitativos. Com oportunidade de estudar, muitas meninas progrediram na escola, saíram do destino exclusivo das tarefas domésticas e avançaram no mundo profissional.
Algumas chegaram até a ir trabalhar no Google. Quando começarem a se sentir injustiçadas e a viver em função do papel de vítimas terão alcançado o padrão do mundo ocidental avançado que deixaram para trás em matéria de QI. Ou será que conseguirão se livrar da competição de QR, o quociente de reclamação?
Como Tim Hunt, o prêmio Nobel que perdeu sua cátedra de bioquímica na Inglaterra por causa de uma piadinha boba sobre como é complicada a relação de homens e mulheres no ambiente científico (elas choram, todos se apaixonam etc), James Damore talvez também vá acabar no Japão. Ou na China. Castigo: ficar sem Google.