Ódio de Weintraub pelo termo “povos indígenas” contraria a Constituição
Carta Magna afirma que são reconhecidos aos índios sua organização social, seus costumes, suas crenças e suas tradições. O Brasil é a soma das identidades
A declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sobre odiar o termo “povos indígenas” ignora a realidade demográfica e étnica brasileira. Como se sabe, o Brasil é formado por várias nações indígenas que antecedem a formação do país como o conhecemos. Weintraub pode não concordar, mas indigenistas e antropólogos defendem a importância de proteger a ideia de que cada um desses povos tenha o seu modo de vida, sua língua, sua identidade.
“Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. É povo brasileiro, só tem um. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios”, afirmou o ministro em tom que beira o racismo na reunião ministerial do dia 22 de abril.
Não são só diversos especialistas no tema que discordam de Weintraub. O avanço democrático e humanista da Constituição de 1988 preserva e dá direito às minorias, entre elas justamente esses povos indígenas. De acordo com o Censo de 2010, existem 305 etnias no Brasil, com pouco mais de 800 mil indígenas e 274 línguas diferentes faladas por esses povos. O número é aproximado porque o próprio Censo admite a dificuldade da pesquisa entre os povos indígenas, isso sem contar o fato de que já se passaram 10 anos de lá para cá.
A Carta Magna afirma em seu artigo 231 sobre o termo “povos indígenas”, que Weintraub tanto odeia: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” O importante aqui é a palavra “sua”, que remete à organização social, costumes e tradições de cada um desses povos.
O fato é que o nu frontal do governo foi mais revelado na reunião, mas essa convicção já era conhecida. Enquanto a Constituição determina que compete à União demarcar as terras indígenas (TI), o presidente Jair Bolsonaro ganhou a eleição garantindo que não haveria uma reserva do tipo demarcada em sua administração.
Expresso no ódio de Weintraub, a política indigenista da atual gestão é contra novas demarcações, a favor da exploração mineral das TIs e também pela catequização dos seus povos, vide a nomeação do pastor para o setor de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai), derrubada nesta semana pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Além dos mais de 800 mil indígenas contabilizados pelo Censo, o Brasil tem hoje 114 registros de índios isolados, dos quais 28 são confirmados. Somente os povos isolados comprovados já fazem do Brasil o país com mais indígenas sem contato no mundo. Eles também não estão registrados no censo de 2010, outro fator que dificulta a real dimensão da diversidade e das etnias indígenas brasileiras.
A ideia de Weintraub reflete, na verdade, o pensamento do ultranacionalismo, que perpassa quase todo o governo Bolsonaro, a começar pelo capitão da reserva. É o mesmo pensamento que diz que a esquerda brasileira tenta criar segmentos de gêneros, de povos e de raça, “desunindo o país”, ideia também defendida pela ala militar no atual contexto polarizado.
A discussão está acima da ideologia, contudo, e foi superada até pela sociologia. O Brasil é pluriétnico, e o respeito à diferença é um conceito basilar. É por isso que as minorias estão descritas na Constituição, para preservar a diversidade brasileira. Não existe uma coisa única, como defende o ministro da Educação. A soma de identidades é que forma o Brasil.