De General para General
O roteirista Daniel Fraiha pergunta: quem são os homens honrados? Quem são os idiotas?

O General Eduardo Pazuello deveria se inspirar em outro general quando sentar para depor na CPI da Covid nesta quarta-feira. Mais precisamente, na versão do general Marco Antônio criada por Shakespeare para a peça Julio César.
Um dos trechos mais famosos da obra é o discurso feito por Marco Antônio diante do caixão do imperador romano, nas escadarias do Senado. Ele fala ao povo com a anuência de Brutus, líder da conspiração que assassinou César, mas a condição imposta é a de que não culpe o traidor (Brutus) e seus comparsas pelo crime.
No discurso, recheado de ironia, Marco Antônio fala que foi pra lá enterrar César, e não louvá-lo, porque Brutus diz que César era ambicioso, e “Brutus é um homem honrado”. No entanto, o general elenca as ações que fizeram de César uma figura grandiosa para Roma e exalta suas defesas do povo, contrapondo isso à afirmação de que teria sido ambicioso.
Ele repete algumas vezes que “Brutus é um homem honrado”, cada vez mais irônico e enraivecido, enquanto mostra ao povo nas entrelinhas que o morto (César) tinha muito mais honra do que o líder dos assassinos (Brutus). O resultado é um despertar popular que termina em perseguição aos traidores da república romana.
A história real é menos nobre, mas a peça tem bastante a ensinar.
Se Pazuello olhar bem para o caixão, verá o rosto do povo brasileiro. Se olhar melhor ainda, talvez perceba o seu reflexo, atônito, a mirá-lo de volta.
E se insistir em dizer que “Brutus é um homem honrado”, sem se inspirar na ironia de Marco Antônio, terá sérios problemas à frente.
Quando do alto do picadeiro se chama o povo de idiota por ficar em casa, por tentar proteger a si e aos seus, é inevitável perguntar: Brutus é um homem honrado? Quem são os verdadeiros idiotas?
O general investigado tem uma chance única nesta sessão. Pode sapatear sobre o caixão de mais de 435 mil mortos e selar de vez seu destino enterrado ou apontar para a verdadeira face “honrada” da morte.
Há duas cadeiras à frente. Numa delas, pisca em letras garrafais a alcunha “o grande idiota”. Na outra, há um resquício de honra genuína a ser resgatada, uma chance de andar de cabeça erguida novamente.
Qual delas ele vai escolher?