Aras, o novo engavetador-geral da República?
Fonteles, ex-PGR, diz que já existem inúmeras solicitações de investigação do presidente que deveriam ter sido encaminhadas pelo chefe do MPF
O presidente Jair Bolsonaro, apesar de uma gestão atrapalhada e de atos irresponsáveis diante de nossa maior crise, parece mesmo blindado. Se de um lado o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), engavetou pedidos de impeachment, de outro, o procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, engaveta pedidos de apuração contra Bolsonaro. Nesta segunda, 25, Maia falou duro contra os atos do ministro da Saúde Eduardo Pazuello e pediu a instauração de uma CPI. Mas o chefe de Pazuello segue blindado.
Na avaliação do ex-procurador-Geral da República Cláudio Lemos Fonteles, já existem inúmeras solicitações de apurações sobre irregularidades cometidas pelo presidente que poderiam ter sido aceitas por Aras, mas que continuam sem resposta. Em conversa com a coluna, Fonteles criticou sua omissão diante das recentes declarações de Bolsonaro, que chocou as instituições ao afirmar que as Forças Armadas é que decidem se o povo vai viver em uma ditadura ou em uma democracia.
“O procurador-geral perdeu o protagonismo nas grandes questões envolvendo a Presidência da República. Isso é evidente, eloquente, está claríssimo (…). É de uma gravidade enorme um presidente da República dizer assim: ‘olha, quem é juiz sobre a forma de governo, se democracia ou ditadura’… E acena com a ditadura… Qual é a postura de um procurador-geral? É imediatamente dar um prazo de dez dias para que o presidente da República esclareça o conteúdo, o sentido, o porquê disse, queira ou não queira, mas enfim, o porquê falou o que falou. Ponto. Resposta dada em dez dias, denúncia ou arquivamento. Ponto”, enfatizou.
Segundo Fonteles, essas declarações são gravíssimas, pois colocam em risco o Estado democrático de direito, questionando, inclusive, a razão da existência de entidades como o próprio Ministério Público. “É uma frase pequena, mas gravíssima porque põe em risco o Estado democrático de direito. O presidente da República dizendo que as Forças Armadas são o juiz sobre se há democracia ou sobre se há ditadura? Meu Deus do céu! Então, o Ministério Público… Qual a nossa razão de ser? É a defesa da norma jurídica, do regime democrático. Isso [pedido de esclarecimento a Bolsonaro] era pra ser feito ontem”.
O ex-procurador reforça ainda a proteção de Aras em relação a Bolsonaro em alguns casos. O mais recente refere-se ao pedido do próprio PGR para que o Supremo Tribunal Federal (STF) abra um inquérito contra o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre sua conduta diante da crise da saúde em Manaus. Na avaliação de Fonteles, Pazuello não está sozinho nisso, ele “só faz o que Bolsonaro quer”, por isso, o presidente também deveria ser investigado.
Outro episódio lembrado pelo ex-procurador foi o sobre manifestações antidemocráticas. “Você veja naquela investigação que ele abre sobre os atos antidemocráticos, mas ele não abre contra o presidente da República. Agora, o presidente da República foi quem evidentemente catalisava. Foi ele que ia para a frente do Palácio da Alvorada, ele que determinou que fossem para o QG do Exército. Ninguém vai para o QG do Exército sozinho, uma multidão não vai sozinha. Foi toda ela, evidentemente, estimulada e instigada pelo presidente da República (…). E o Aras faz o que? Abre contra quem financiou? Está bem que você abra contra quem financiou, mas e quem moveu essa multidão? Tem que investigar quando o presidente fala, discursa, sorri, aplaude a multidão e diz mesmo que ‘deve-se fechar a Câmara, deve-se fechar o Legislativo, deve-se prender o ministro A, o ministro B’… Isso são fatos que o presidente da República deve ser investigado”, destacou Fonteles.
Segundo dados da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, já foram protocolados 62 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, sendo cinco arquivados. Os demais seguem em análise. Essa é a situação na Câmara. Na PGR, também são muitos pedidos de investigação, mas não foi realizada uma contabilidade, de acordo com a assessoria do órgão.