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Somos todos “sapiens”, finitos e às vezes obesos

A capacidade dos ancestrais em consumir mais alimentos em menor tempo permitiu a evolução da espécie. Hoje, lutamos para conter o consumo calórico

Por Antonio Carlos do Nascimento
Atualizado em 17 jul 2020, 16h50 - Publicado em 17 jul 2020, 16h29

É aceito que o ancestral comum do qual derivaram os iniciadores da linhagem humana e de nossos primos, os chimpanzés, existiu há aproximadamente 8 milhões de anos no continente africano, enquanto nosso gênero tenha principiado nos mesmos territórios pelo Homo habilis, no entorno temporal de 2 milhões de anos atrás.

O Homo habilis tinha em média 1 metro de altura, habilidade em manipular instrumentos cortantes e isso supostamente lhe possibilitou a adoção de dieta carnívora, inovação que concedeu um aumento de 30 % no volume de seu cérebro em relação ao seu ancestral imediato.

Com 1,5 metro, o Homo erectus é um dos congêneres que ilustram a fase evolucional seguinte, se notabilizando por ser essencialmente terrestre e pela descoberta do fogo, conhecimento que lhe proporcionou sobrevivência em ambientes mais frios, assim como viabilizou cozinhar alimentos, com facilitação ao consumo de carnes e outros alimentos, até então de difícil mastigação. As virtudes lhe renderam aumento de 50 % no volume cerebral, assim como notória diminuição no tamanho dos dentes e intestinos.

O Homo erectus reuniu os predicados que permitiriam a emigração do continente africano para Ásia e Europa, sendo aceitas algumas teorias para sua distribuição planetária a partir de seu berço natal.

O Homo Sapiens pode ter surgido há aproximadamente 350 mil anos, com aumento volumétrico cerebral de 40% quando comparado ao Homo erectus e alcançou altura média de 1,7 metro. Porém, em seu comportamento moderno, provavelmente nossa espécie possua por volta de 50 mil anos, então Homo sapiens sapiens, quando buscou melhor relacionamento com a natureza utilizando seu melhor predicado, o pensamento.

Aproximadamente há 10 mil anos nossos antepassados iniciaram o domínio de técnicas de agricultura e a domesticação de animais, enquanto pouco mais de dois séculos nos separam do início da Revolução Industrial. Esses dois processos transformadores são compreendidos como os mais importantes de toda a existência de nossa subespécie, os quais propiciaram substancial provimento alimentar, recurso limitante para nossa ampliação populacional.

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A progressiva e crescente capacidade de nossos ancestrais em consumir maior quantidade de alimentos em menor tempo, especialmente carnes, permitiu a evolução e a consolidação de nossa espécie. Paradoxalmente, nos dias de hoje deflagramos uma verdadeira batalha para conter o consumo calórico humano, pois, patamares muito elevados se relacionam com a obesidade. Mas, se claramente nossos ancestrais aumentaram a ingesta energética na proporção que modificavam o alimento, agora o fazemos associando produtos sintéticos.

De um mirante que contemple o comportamento alimentar humano, longevidade e sanidade mental, vê-se como único óbvio roteiro para desenlaces favoráveis a subtração de carboidratos refinados, gorduras sem qualidade e alimentos processados. Quando o observatório considera a atividade física, exclui-se apenas os anabolizantes e práticas de extrema exaustão para que os exercícios frequentes entreguem extraordinários desfechos.

Neste universo previamente abordado é atitude de grande equívoco derivar para raça humana os estudos com camundongos que apontam maior longevidade e emagrecimento a partir da restrição calórica. A extrapolação desconsidera condições existenciais humanas, tais como a satisfação e o conforto emotivo perante a saciedade, fatores motivacionais amplificadores da capacidade criativa e modulação afetiva pelo componente hedônico alimentar. Portanto, neste caso viver mais será sucesso apenas relativo.

Em estudo publicado em 2012 na revista New England Journal of Medicine, o cardiologista Franz Messerli demonstrou que o consumo per capita chocolate (kg/habitantes) de um país, é diretamente proporcional ao número de gênios premiados com o Prêmio Nobel.

Galileu Galilei, gourmet resoluto e apreciador de pratos extremamente calóricos, morreu em 1642, aos 78 anos, enquanto Einstein, outro gênio das ciências exatas, compulsivo consumidor de espaguete, morreria em 1955, aos 76. Embora Einstein gostasse de caminhadas, assim como o Renascimento não facilitava a “prática” do sedentarismo em sua plenitude, nenhum dos dois foi referência atlética.

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O consumo etílico de Sir Winston Churchill esteve bastante distante do consumo moderado de vinhos alinhado à dieta mediterrânica, único conceito alimentar relacionado com menor morbimortalidade por todas as causas. O maior estadista do século XX também abusava da maior parte dos alimentos que condenamos sistematicamente, embora os processados não tenham lhe alcançado. Aos 89 anos, um ano antes de sua morte, em uma coletiva de imprensa Churchill foi questionado acerca de suas extravagâncias não lhe resultarem abreviação da vida ou arrebatamento de sua disposição, o leão disse que responderia com duas palavrinhas, e o fez: “no sports”.

Nenhum homo sapiens sapiens será um grande estadista por não fazer exercícios, comer demais e ingerir toneladas de bebidas alcoólicas. Nem tão pouco se transformará em gênio da física ou matemática por devorar espaguetes ou gansos recheados com polentas enriquecidas por vários queijos. Verdade também que abocanhar quilos de chocolates diariamente não o fará elegível para a conquista do Prêmio Nobel.

Por outro lado, é possível afirmar que evolutivamente fomos nos tornando o que comemos e preferenciando o que nos faz melhor, criamos desejos pelo que nos conforta e nos permite a sobrevivência, enquanto o cérebro é estimulado ao raciocínio para manter esse ciclo virtuoso. Estabelecer limites na ingestão calórica de Einstein, Galileu Galilei, Churchill, chocólatras e a todos “sapiens” geniais ou não, fosse factível, seguramente não lhes confortariam as existências e todos entregariam menos para a humanidade.

Nossa espécie evoluiu domando os alimentos em suas essências, mas ao modificá-los com processamentos e substâncias sintéticas criou um hiato para regressão orgânica que precisa ser corrigido. Contudo, está bastante claro, que nossa evolução antropológica, aumento da longevidade ou média de sobrevida, não ocorrerão por restrição sumária da ingesta calórica, mais do que não ser possível, não tem lógica.

(Ricardo Matsukawa/VEJA.com)

 

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